Complicações relacionadas ao aborto no Brasil: resultados da Pesquisa Multinacional sobre Aborto da Organização Mundial da Saúde (MCS-A)
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Resumo:
O objetivo foi descrever a gravidade das complicações relacionadas ao aborto, os fatores relacionados às complicações, os tipos de tratamento e a experiência de atendimento no Brasil. Foi realizado um estudo transversal em vinte hospitais (dez no Distrito Federal, três em Rondônia e sete no Maranhão). Durante três meses, todos os dados de todas as mulheres tratadas por aborto/aborto espontâneo foram coletados. A gravidade das complicações foi definida de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde. As mulheres com hemorragia, infecção ou lesão de órgãos foram convidadas a responder a uma entrevista sobre a experiência do atendimento. A análise estatística foi realizada usando o teste de qui-quadrado e modelos de regressão de Poisson. Entre as 1.683 mulheres incluídas, 82,5% tiveram complicações leves, 13,6% tiveram complicações moderadas, 3,2% tiveram condições potencialmente ameaçadoras à vida (PLTC, acrônimo em inglês) e 0,7% tiveram resultados maternos graves (SMO, acrônimo em inglês). A maioria das mulheres (94,2%) precisou de esvaziamento uterino. Entre elas, 91,5% precisaram de esvaziamento cirúrgico (com ou sem uso de uterotônicos) e 8,5% usaram apenas uterotônicos. O método de esvaziamento cirúrgico mais frequente foi a curetagem (66,9%), seguido pela aspiração manual a vácuo (32,3%). Os fatores associados à PLTC/SMO vs. complicações leves foram ter idade gestacional ≥ 13 semanas (razão de prevalência – RP = 3,09; intevalo de 95% de confiança – IC95%: 1,42-6,72), ter sido tratado no Maranhão (RP = 0,27; IC95%: 0,12-0,63) e em Rondônia (RP = 0,64; IC95%: 0,20-0,99). Os fatores associados às complicações moderadas vs. leves foram expulsão dos produtos da concepção antes da chegada ao serviço de saúde (RP = 2,55; IC95%: 1,64-3,96) e ter sido tratado no Maranhão (RP = 0,58; IC95%: 0,38-0,87). A maioria das mulheres que responderam à entrevista foi tratada com gentileza (95,6%), no entanto, 66,7% se sentiram estressadas e 10,1% relataram que suas preferências não foram respeitadas durante a internação. Nove em cada dez mulheres atendidas em hospitais públicos brasileiros devido a complicações relacionadas ao aborto são submetidas a algum procedimento cirúrgico, sendo o mais comum a curetagem uterina. Aproximadamente quatro em cada 100 mulheres apresentam complicações graves. É fundamental garantir o fornecimento de equipamentos para aspiração manual a vácuo e incentivar programas de educação médica continuada para aumentar a conscientização dos profissionais de saúde sobre tratamentos mais seguros para evacuação uterina.