Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
33 nº.2
Rio de Janeiro, Fevereiro 2017
QUESTÕES METODOLÓGICAS
Literacia em saúde: tradução e validação de instrumento para pesquisa em promoção da saúde no Brasil
Paulo Roberto Veiga Quemelo, Daniela Milani, Vinícius Funes Bento, Edgar Ramos Vieira, Jose Eduardo Zaia
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00179715
Alfabetização em Saúde; Educação em Saúde; Inquéritos e Questionários; Reprodutibilidade dos Testes; Promoção da Saúde
Introdução
A promoção da saúde e prevenção de doenças, assim como a educação na atenção primária à saúde têm sido temas de publicações no Brasil durante a última década 1,2,3,4,5,6. A literacia em saúde consiste na capacidade de obter, processar e interpretar informações básicas em saúde para tomar decisões adequadas 7,8. Diferentes materiais, como bulas de medicamentos, sites e folhetos informativos são utilizados para informar a população 9,10. A literacia em saúde da população afeta o acesso e compreensão de informações sobre os cuidados com a saúde e prevenção de doenças 10,11,12. Por outro lado, a baixa literacia em saúde é frequentemente acompanhada por vergonha e menor capacidade de entender como prevenir doenças e promover saúde 11. Nesse sentido, estudos sobre os níveis de literacia em saúde são necessários para facilitar e melhorar a educação em saúde no Brasil 12.
Os instrumentos de literacia em saúde avaliam o conhecimento da população e ajudam a determinar intervenções para promover saúde 13. Apesar dos esforços para desenvolver e testar medidas de intervenções para melhorar e despertar o interesse da população por conhecimentos sobre saúde e para melhorar os meios e formas de transmitir informações 14, muitas vezes os instrumentos não são adequados e podem trazer informações distorcidas 15,16. No Brasil, foi encontrado um instrumento validado para avaliar a literacia em saúde. Entretanto, o instrumento foi avaliado na população idosa e apresentou algumas limitações no processo de validação 17, o que aponta para a necessidade de novos instrumentos dentro da área e voltados para a população brasileira.
Um instrumento de avaliação da literacia em saúde foi desenvolvido e testado na Suíça em uma população de adultos jovens 18. É composto por oito questões com respostas em uma escala do tipo Likert de quatro a cinco pontos, e no contexto em que foi testada a estrutura fatorial que apresentou maior adequação à amostra foi aquela composta por quatro fatores: (i) Entendimento das Informações em Saúde (EIS; itens 1 e 2); (ii) Busca das Informações em Saúde (BIS; itens 3 e 4); (iii) Interatividade em Saúde (IS; itens 5 e 6); e (iv) Conhecimento Crítico em Saúde (CCS; itens 7 e 8). A consistência interna estimada pelo alfa de Cronbach se mostrou aceitável quando considerado o escore total pela soma dos seus itens 18. A validade de construto foi verificada por meio da técnica dos grupos conhecidos e também apresentou valores satisfatórios 18. No entanto, autores que desenvolveram o instrumento discutem que o construto Literacia em saúde seria usualmente representado por três dimensões/fatores (Literacia Funcional, Literacia Interativa e Literacia Crítica), e que a configuração estrutural do instrumento em quatro fatores não era a esperada inicialmente, quando o estudo foi desenvolvido. Dessa forma, os objetivos deste estudo foram traduzir e adaptar culturalmente um instrumento de avaliação da literacia em saúde 18 para o Brasil; avaliar o desempenho psicométrico (validade e confiabilidade) do instrumento traduzido e adaptado em uma amostra de universitários brasileiros.
Métodos
Tradução e adaptação cultural do questionário
O processo metodológico de tradução e adaptação cultural do questionário sobre literacia em saúde teve como base as recomendações propostas no roteiro estabelecido por Reichenheim & Moraes 19, quanto às equivalência conceitual, equivalência dos itens, equivalência semântica, equivalência operacional e equivalência de mensuração.
Para a avaliação das equivalências conceitual e dos itens, o grupo de pesquisadores se reuniu em ocasiões distintas para discutir sobre a relevância e pertinência dos conceitos abordados pelo instrumento de literacia proposto pelo estudo original 18. As discussões foram pautadas com base em buscas na literatura sobre instrumentos disponíveis que avaliassem literacia em saúde na população brasileira, o que resultou num único instrumento para o contexto brasileiro. O referido instrumento foi utilizado em uma amostra de idosos (> 60 anos) 17 e não atendia aos objetivos dos pesquisadores.
Seguindo os passos para a avaliação da equivalência semântica, o questionário foi traduzido da versão original em inglês para o português, de modo independente, por três pessoas com formação na área da saúde e fluentes na língua inglesa. As três versões foram comparadas e discutidas pelos profissionais até a construção de uma versão comum que foi avaliada por um quarto profissional de saúde. Essa última versão foi retrotraduzida por outro profissional bilíngue, que não teve acesso à versão original, e foi então apresentada aos autores da escala original para apreciação. O pré-teste foi realizado com universitários brasileiros (n = 10), os quais não fizeram parte da amostra final do estudo. Durante o pré-teste, o questionário foi aplicado coletivamente por um dos pesquisadores (P.R.V.Q.), e após o preenchimento foi realizada a leitura conjunta do instrumento, discutindo as instruções, os itens e as alternativas de pontuação. Os participantes tiveram dificuldade de entender o termo "brochuras de informação", que foi revisado para "folhetos/cartilhas". Para os demais itens e conteúdo do questionário não houve dificuldade de compreensão.
Quanto à equivalência operacional, o veículo e formato das questões/instruções foram bastante similares ao desenvolvido pelo estudo original (papel/caneta), bem como o modo de aplicação (autorrespondido). Houve alguma diferença quanto ao cenário de administração do questionário. No contexto suíço, essa administração aconteceu via correio postal (no caso das mulheres) e durante o processo de alistamento obrigatório ao serviço militar (para os homens), já no Brasil esta fase aconteceu dentro da sala de aula. A versão final do questionário é apresentada na
Em relação à avaliação da equivalência de mensuração 19, o presente trabalho optou por denominar esta etapa de "avaliação do desempenho psicométrico", que será descrita nos próximos itens.
Figura 1 Questionário de literacia em saúde.
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Desenho de estudo e amostra
Estudo metodológico de desenho transversal com uma amostra não probabilística, composta por estudantes universitários brasileiros maiores de 18 anos, matriculados em cursos de graduação de diversas áreas do conhecimento em uma universidade particular do interior do Estado de São Paulo.
O tamanho amostral mínimo foi estimado com base nas recomendações feitas por Hair et al. 20, que considera que para um nível de 5% de significância, e um poder de 80%, há necessidade de incluir de 5 a 10 sujeitos por item do questionário. Dessa maneira, para este estudo era necessário um mínimo de 40 a 80 sujeitos. Considerando que também avaliamos a estabilidade do modelo independente para amostras da mesma população, o tamanho amostral mínimo foi estimado entre 80 a 160 pessoas. Foram convidados 501 sujeitos, dos quais 29 não responderam a todas as questões e por isto foram excluídos do estudo. A amostra final foi de 472 pessoas (taxa de resposta de 94,2%).
Instrumentos, procedimentos e aspectos éticos
Além do questionário traduzido e adaptado sobre literacia em saúde, utilizou-se um breve questionário sociodemográfico que incluía questões sobre sexo, idade e estado civil, questões sobre a área de conhecimento da graduação cursada e o período em que o aluno estava matriculado.
Os questionários foram aplicados coletivamente nas salas de aulas após a autorização da instituição e liberação do professor responsável pela classe no momento da coleta de dados. Os pesquisadores informaram aos alunos os objetivos do estudo e os convidaram a participar. A fim de garantir o anonimato dos sujeitos, os questionários foram numerados de forma aleatória e distribuídos também da mesma forma. A obtenção dos dados foi conduzida pelo pesquisador e por três colaboradores devidamente treinados e com conhecimento sobre o instrumento e o estudo.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Franca (protocolo CAAE: 36925614.0.0000.5495), seguindo os princípios do Conselho Nacional de Saúde (Resolução nº 466/12). Todos os participantes que aceitaram participar do estudo assinaram duas vias do termo de consentimento livre e esclarecido. Além disso, a utilização do instrumento sobre literacia em saúde foi autorizada pelos autores suíços.
Avaliação do desempenho psicométrico
As análises dos dados foram realizadas nos programas IBM SPSS e AMOS v. 20 (IBM Company, Chicago, Estados Unidos) e para todos os testes utilizados adotou-se um nível de significância de 5%.
Estatística descritiva foi utilizada para a apresentação das características dos sujeitos (sexo, idade, estado civil, área do conhecimento e ano da graduação). Cada item da escala de literacia em saúde foi avaliado por meio de medidas de resumo (média e desvio padrão) e distribuição (assimetria e curtose).
Na análise e tratamento dos dados, as opções de resposta externa à escala ordinal representada por "(0)" foram tratadas como sendo equivalentes às opções de resposta representadas por "(1)", devido apresentarem sentidos semânticos semelhantes.
A avaliação do desempenho psicométrico dos dados foi realizada por meio da estimativa da sensibilidade psicométrica, da confiabilidade da validade da estrutura fatorial, validade convergente e da validade discriminante 20,21. A estratégia metodológica proposta para análises dos dados neste estudo tem sido considerada bastante robusta para a avaliação de instrumentos de medida em diferentes áreas e amostras 22,23,24. A sensibilidade psicométrica dos itens foi considerada adequada quando os valores absolutos de assimetria eram menores de 3 e os valores de curtose menores que 7 22,25.
Validade da estrutura fatorial, validade convergente e validade discriminante
Para verificar o grau com que a versão brasileira desse questionário satisfazia a mesma estrutura de quatro fatores da versão original 18, conduziu-se uma análise fatorial confirmatória pelo método de Estimação da Máxima Verossimilhança. Para isso, foram considerados os seguintes índices de avaliação quanto à qualidade do ajustamento: razão do qui-quadrado pelos graus de liberdade (χ2/gl), sendo este considerado aceitável quando < 5, e bom quando ≤ 2,0; Goodness of Fit Index (GFI); Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) considerados inadequados quando < 0,90, bom para valores entre 0,90 e 0,95, e muito bom quando ≥ 0,95; Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA) < 0,10 com intervalo de 90% de confiança (IC90%) 20,22. As cargas fatoriais (λ) dos itens também foram avaliadas e consideradas adequadas quando maiores ou iguais a 0,40. Os itens com cargas fatoriais menores do que 0,40 eram candidatos à remoção do modelo 20. Nos casos em que o modelo apresentou ajustamento inapropriado, recorreu-se aos índices de modificação estimados pelo método dos multiplicadores de Lagrange 22.
Uma vez que o construto de literacia em saúde é usualmente apresentado por uma estrutura fatorial de três fatores 18, e que os pesquisadores suíços esperavam como hipótese inicial que a configuração estrutural do questionário fosse melhor representada por esta mesma estrutura em detrimento de quatro fatores, o presente estudo além de testar a qualidade do modelo de 4-fatores, também testou a qualidade do modelo fatorial de 3-fatores na amostra brasileira.
O estudo suíço 18 também discute ter testado um modelo alternativo, unidimensional para o questionário de literacia em saúde em questão, e que este teria apresentado índices de ajustamento muito abaixo do recomendado. Com a finalidade de comparar com os resultados suíços, este trabalho também testou a estrutura fatorial unidimensional nos universitários brasileiros. Para determinar a estrutura fatorial com melhor parcimônia, foram utilizados os índices da teoria da informação: Akaike Information Criterion (AIC), Browne-Cudeck Criterion (BCC) e Bayes Information Criterion (BIC). Considerou-se como o modelo mais parcimonioso aquele que apresentasse os menores valores para um ou mais desses índices 22.
A validade convergente dos fatores foi estimada por meio da Variância Extraída Média (VEM) e Confiabilidade Composta (CC) que foram consideradas adequadas se VEM ≥ 0,50 e CC ≥ 0,70 20,26.
Os modelos de 4-fatores e de 3-fatores foram também verificados quanto à validade discriminante. Essa foi avaliada por meio da comparação da VEM de cada fator com o quadrado da correlação entre os fatores (ρij2), em que se VEMi e VEMj ≥ ρij2, considera-se que há validade discriminante 22,26.
Modelo hierárquico de segunda ordem
O estudo suíço 18 orienta sobre a possibilidade de o instrumento fornecer um escore geral de literacia em saúde. Com o objetivo de que um escore geral de literatura em saúde possa ser calculado na amostra de universitários brasileiros de maneira que se preservasse a diferença teórica entre os itens, propôs-se um modelo hierárquico de segunda ordem 22. Essa proposta foi feita após a análise das correlações e ajustamento do modelo de 4-fatores. A qualidade desse modelo foi avaliada em relação ao modelo com estrutura fatorial de primeira ordem de 4-fatores, e utilizando-se os mesmos índices de ajustamento apresentados anteriormente. O algoritmo para o cálculo da pontuação dos fatores individuais (Literacia Funcional/Entendimento, Literacia Funcional/Informação, Criticidade e Interatividade) e da pontuação geral da literacia em saúde foi estimado para os modelos que se ajustaram adequadamente à amostra. Para isso, os pesos fatoriais foram gerados por meio da matriz dos pesos de regressão, matriz de covariância entre variáveis latentes e manifestas, e matriz de covariância entre as variáveis manifestas conforme a seguinte equação 22,27: W = BS-1.
Em que: W = matriz dos pesos de regressão; B = matriz de covariâncias entre as variáveis latentes e manifestas; S = matriz de covariâncias entre as variáveis manifestas.
Os referidos pesos W são gerados para estimar os escores a partir dos itens. No software utilizado neste trabalho (AMOS v. 20), esses pesos (W) estão disponibilizados seguindo-se o caminho: Output → Estimates → Matrices → Factor Score Weights.
Invariância fatorial
Para estimar a estabilidade da solução fatorial, realizou-se a validação cruzada do modelo em amostras independentes (moças x rapazes) pela análise multigrupos e utilização do teste da diferença do qui-quadrado (Δχ2). A invariância do modelo foi avaliada nas duas amostras por comparação entre o modelo livre (com pesos fatoriais e variâncias/covariâncias dos fatores livres) e o modelo restrito (em que foram fixados, sequencialmente, os pesos fatoriais e as variâncias/covariâncias das duas amostras) 22,28. Quando a hipótese da invariância do peso fatorial foi aceita (invariância fraca), prosseguiu-se com a análise da invariância das covariâncias e dos resíduos (forte invariância) 29.
Confiabilidade
A consistência interna foi avaliada por meio dos valores de CC gerada com base nos pesos fatoriais de cada item 26 e também usando-se os coeficientes alfa de Cronbach 30 (α), tanto padronizado quanto estratificado 30,31. A utilização do alfa padronizado e estratificado é uma estratégia indicada por pesquisadores, de forma a evitar os problemas/limitações já conhecidos com relação à tendência do alfa em fornecer valores subestimados de confiabilidade total de uma medida, especialmente nos casos em que essas medidas são multifatoriais. Para um maior detalhamento e discussões robustas sobre o cálculo e utilização dos coeficientes alfa de Cronbach padronizado e estratificado, verificar o estudo de Maroco & Garcia-Marques 31. A consistência interna foi considerada adequada quando α ≥ 0,70 31,32.
Resultados
Participantes
Participaram do estudo 472 sujeitos (taxa de resposta de 94,2%). A média da idade dos participantes foi de 22,7 (5,3) anos, sendo que 66,1% (n = 312) eram do sexo feminino, 89,2% solteiros, 9,7% casados e 1% divorciados ou viúvos. Com relação ao período do curso de graduação, 54,7% estavam matriculados no primeiro ano, 11,9% no segundo, 27,1% no terceiro e 6,3% no quarto ou quinto ano. Quanto à área do conhecimento, 33,5% cursavam Ciências Administrativas e Jurídicas, 30,7% Ciências Biológicas e da Saúde, 18,9% Ciências Exatas e Tecnológicas e 16,9% Ciências Humanas e Artes.
Estatística univariada e sensibilidade psicométrica
Com relação à análise descritiva das respostas aos itens do questionário, todas as categorias de respostas foram assinaladas. Além disso, não houve alta concentração (> 90%) de respostas em apenas uma resposta que pudesse indicar efeitos de chão ou teto. Os valores absolutos de assimetria < 3 e curtose < 7 indicaram que não houve violação séria dos pressupostos de normalidade quanto à distribuição e forma dos dados e consequentemente a análise fatorial pôde ser conduzida 22,25. A
Tabela 1 Características descritivas dos itens do questionário sobre literacia em saúde: média, desvio padrão (DP), assimetria, curtose e frequência da distribuição das respostas aos itens (n = 472).
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Validade
Os resultados da análise fatorial confirmatória estão apresentados na
Tabela 2 Análise Fatorial Confirmatória (AFC) do questionário sobre literacia em saúde: modelos de 4-fatores, de 3-fatores, de 1-fator e modelo hierárquico de segunda ordem.
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A avaliação da validade convergente dos fatores nesse modelo apresentou valores de VEM e CC adequados apenas para o fator BIS (VEMBIS = 0,55 e CCBIS = 0,71) e valores abaixo do recomendado para os demais fatores: EIS (VEMEIS = 0,44 e CCEIS = 0,59); CCS (VEMCCS = 0,26 e CCCCS = 0,41); e IS (VEMIS = 0,28 e CCIS = 0,43).
A comparação dos valores das VEMs com o quadrado da correlação entre fatores (ρij2) indicou que apenas os fatores BIS e EIS apresentaram validade discriminante.
O modelo de 3-fatores e o modelo de 1-fator também foram testados, mas apresentaram índices de ajustamento fracos e precisaram ser refinados
Para refinar o modelo de 3-fatores, notou-se que o item 1 apresentou carga fatorial muito baixa λQ1 = 0,18 e por isto foi removido do modelo. Ao excluir o item 1, verificou-se que a carga fatorial do item 2 foi prejudicada. Além disso, considerou-se que ao remover o item 1 e/ou o item 2 o questionário sobre literacia em saúde ficaria comprometido quanto a sua validade de conteúdo. Assim, optou-se pela manutenção desses itens no modelo e recorreu-se à análise dos índices de modificação estimados pelo método dos multiplicadores de Lagrange. Correlação entre os pares de erros dos itens 1 e 2 foi incluída e o modelo de 3-fatores foi refinado
A avaliação da validade convergente para o modelo de 3-fatores apresentou valores de VEM e CC abaixo do recomendado: Informações em Saúde (VEMIFS = 0,30 e CCIFS = 0,57); CCS (VEMCCS = 0,26 e CCCCS = 0,41); IS (VEMIS = 0,28 e CCIS = 0,44). Além disso, nenhum dos fatores apresentou validade discriminante.
No modelo unidimensional (1-fator), o item 1 também se mostrou problemático (λQ1 = 0,26) mas foi mantido no modelo para não prejudicar a validade de conteúdo do questionário. Conforme os índices de modificação, os pares de erros dos itens 1 e 2, e itens 3 e 4 necessitaram de correlações para que o modelo de 1-fator pudesse ser ajustado e assim apresentar índices de ajustamento mais adequados
Figura 2 Modelos testados/avaliados da versão brasileira do questionário sobre literacia em saúde.
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Modelo hierárquico de segunda ordem
De acordo com o estudo suíço 18, o questionário estimaria um escore geral de literacia em saúde. Com base nessa informação, propusemos um modelo hierárquico de segunda ordem
Para gerar uma pontuação para cada fator e/ou uma pontuação geral para a literacia em saúde, os pesos devem ser multiplicados pelos valores das respostas obtidas em cada um dos itens que devem ser somados.
Tabela 3 Peso (W) de cada item a ser considerado para o cálculo do escore global e/ou dos fatores do questionário sobre literacia em saúde.
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Invariância fatorial
O modelo de 4-fatores apresentou um bom ajustamento simultâneo na análise multigrupos (moças x rapazes): (χ2/gl = 1,53; CFI = 0,97; GFI = 0,98; TLI = 0,95; RMSEA = 0,03). Os resultados da comparação do modelo livre com o modelo restrito em que foram fixados os pesos fatoriais e as variâncias/covariâncias das duas amostras atestaram a invariância do modelo de 4-fatores para ambas as amostras:
Δλ: χ2(gl) = 6,29(4) p = 0,18; ΔCov: χ2(gl) = 23,06(14) p = 0,06; ΔRes: χ2(gl) = 67,63(22) p < 0,01.
O modelo hierárquico de segunda ordem também apresentou ajustamento simultâneo adequado na análise multigrupos: (χ2/gl = 1,58; CFI = 0,97; GFI = 0,97; TLI = 0,94; RMSEA = 0,04) e a sua invariância também foi confirmada: Δλ: χ2(gl) = 6,44(4) p = 0,17; ΔCov: χ2(gl) = 13,25(8) p = 0,1; ΔRes: χ2(gl) = 59,9(19) p < 0,01.
A opção por avaliar a análise de invariância entre moças e rapazes se deu no sentido de comparar e contrastar os resultados do presente estudo com o estudo original suíço que também avaliou as estruturas fatoriais em homens e mulheres 18.
Confiabilidade
Com exceção do fator BIS (CCBIS = 0,71 e αBIS = 0,71), os valores dos coeficientes α de Cronbach padronizados e de CC para avaliação da consistência interna de cada um dos fatores apresentaram-se abaixo do recomendado: EIS (CCEIS = 0,59 e αEIS = 0,55); CCS (CCCCS = 0,41 e αCCS = 0,40) e IS (CCIS = 0,43 e αIS = 0,42). Por outro lado, a consistência interna referente à totalidade dos itens avaliada pelo α estratificado e pelo CC total foi adequada (αTOTAL = 0,74; CCTOTAL = 0,83).
Discussão
Este trabalho realizou a adaptação cultural e a avaliação das qualidades psicométricas (validade da estrutura fatorial, validade convergente, validade discriminante e invariância fatorial) de um questionário sobre literacia em saúde dentre universitários brasileiros. O estudo suíço 18 que desenvolveu o instrumento discute que o construto literacia em saúde é usualmente composto de três fatores e que o esperado era que o conjunto de 8-itens representasse estes três fatores. No entanto, as análises demonstraram que o modelo de literacia em saúde estaria mais bem representado para a amostra em quatro fatores. Por esse motivo, o presente estudo testou e avaliou a estrutura fatorial dos modelos de 4-fatores, 3-fatores e 1-fator.
Dentre os modelos testados, aquele representado pelos mesmos 4-fatores do estudo suíço foi o que se mostrou mais adequado e se manteve invariante nas amostras independentes (moças x rapazes), mesmo que ainda apresente alguns resultados sofríveis em relação à validade convergente e discriminante para alguns fatores.
Os valores de VEM e CC no modelo de 4-fatores ficaram abaixo dos valores desejáveis e por isto a validade convergente dos fatores só foi demonstrada para a BIS. Uma das justificativas para esses baixos valores é o fato de existirem apenas dois itens por fator, sendo que psicometristas sugerem que para o desenvolvimento de novas escalas devam ser incluídas pelo menos três e preferencialmente quatro variáveis manifestas (itens) para cada fator 33. Uma possível solução para a melhora da validade convergente seria o aumento do número de itens em cada fator 34 em estudos futuros.
A validade discriminante também não foi adequada para os fatores CCS e IS, uma vez que os valores de VEM foram menores que 0,50 e a correlação entre eles foi forte. O fato de existirem apenas dois itens por fator também explica o motivo da consistência interna ter sido baixa para a maioria dos fatores. O coeficiente α de Cronbach é diretamente afetado pelo número de itens de uma escala 35, por isto a verdadeira confiabilidade estaria penalizada devido ao número reduzido de itens no construto e a confiabilidade composta é dependente das cargas fatoriais. O estudo suíço avaliou a consistência interna do questionário sobre literacia em saúde considerando a totalidade de seus itens e obteve um α de 0,65. No presente trabalho, devido ao fato do modelo ter se apresentado multidimensional (4-fatores) 33,36,37, realizou-se a estimativa do α estratificado. Esse índice é o que apresenta melhor desempenho nos casos de multidimensionalidade. Assim, o instrumento em geral (na totalidade de seus itens) apresentou consistência interna adequada para a amostra de universitários brasileiros (α = 0,74) e o CC referente ao instrumento geral também se mostrou adequado (CC = 0,83).
Este estudo também avaliou a estrutura hierárquica com um fator latente global de segunda ordem, denominado Literacia em Saúde Global. Tal proposta foi elaborada levando-se em consideração as fortes relações entre os fatores de primeira ordem 22 e a proposta do estudo suíço 18 que sugere um escore geral por meio da soma dos itens. Considerou-se também as diferentes contribuições dos diversos fatores para a análise de um fator geral. Mesmo que ainda apresente alguns resultados sofríveis, os resultados demonstram que o modelo hierárquico de segunda ordem apresentou índices de ajustamento adequados, mostrou-se mais parcimonioso e demonstrou uma qualidade levemente superior quando comparado ao modelo de primeira ordem de 4-fatores. Assim, o presente trabalho sugere que a pontuação final considere o peso de cada um dos itens e fatores ao invés da soma direta da pontuação de cada item como sugere o estudo suíço 18. Dessa maneira, o instrumento pode captar um construto de acordo com a variabilidade de respostas que é inerente de cada amostra 21. Além disso, a estimativa da pontuação geral, utilizando-se os pesos de regressão, tem maior qualidade pois as informações relacionadas ao construto são mais válidas e mais confiáveis.
Novos estudos devem ser realizados em populações diversas para verificar se a estrutura fatorial de 4-fatores do modelo se mantém, e para permitir a comparação com os resultados deste trabalho. Novas pesquisas também podem tentar aprimorar o questionário, e a inclusão de alguns novos itens pode resultar em uma melhora significativa das validades convergente e discriminantes referentes aos fatores do questionário. Isso consequentemente aumentaria a credibilidade e a difusão do questionário entre os interessados pela temática. Contudo, a praticidade de aplicação de questionários é influenciada pelo número de questões incluídas. Então, é necessário achar um equilíbrio entre o número de questões a serem incluídas e a viabilidade de aplicação.
Algumas limitações deste estudo estão relacionadas à ausência de resultados brasileiros com outras escalas que avaliam literacia em saúde. A inexistência de trabalhos e de escalas sobre essa temática no Brasil impossibilitou o presente estudo de realizar a análise da validade concorrente, e por isto a validade de construto foi avaliada pela estimação dos valores de VEM e CC. Ainda que tenhamos sido bastante cuidadosos, é possível que haja algumas lacunas em relação ao processo de tradução e adaptação cultural, visto que pode haver diferenças entre os conceitos nos contextos do Brasil e da Suíça, e devido a não termos conseguido seguir exatamente todas as recomendações propostas por Reichenheim & Moraes 19, referentes às avaliações de todos os tipos de equivalências propostas. Outras limitações deste trabalho referem-se à inerência de estudos dependentes de dados autorreportados que estão sujeitos aos efeitos de desejabilidade social e outros tipos de vieses de resposta.
Conclusão
Ainda que apresente resultados sofríveis em relação à validade convergente e discriminante para a maioria dos fatores, o modelo de 4-fatores da versão brasileira do questionário sobre literacia em saúde foi o que se mostrou mais adequado quanto à validade da estrutura fatorial e se manteve invariante em amostras independentes. A consistência interna também foi adequada em relação à totalidade dos itens. O modelo hierárquico de segunda ordem proposto apresentou índices de ajustamento adequados, mostrou-se mais parcimonioso e uma qualidade levemente superior quando comparado ao modelo de primeira ordem de 4-fatores. Mesmo que não totalmente adequado, esse modelo permite o cálculo de uma pontuação geral sobre literacia em saúde considerando o devido peso para cada item.
O questionário pode ser utilizado para a avaliação da literacia em saúde na população de universitários brasileiros, desde que os resultados sejam analisados e interpretados com cautela e considerando que o instrumento precisa de um melhor aprimoramento em estudos futuros.
Agradecimentos
Agradecemos ao Professor Luiz Cesar Peres e à Professora Carolina de Meneses Gaya pelo auxílio com a tradução.
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