Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
33 nº.12
Rio de Janeiro, Dezembro 2017
ARTIGO
Caracterização do acesso à assistência ao parto normal na Bahia, Brasil, a partir da teoria dos grafos
Ludmilla Monfort Oliveira Sousa, Edna Maria de Araújo, José Garcia Vivas Miranda
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00101616
Serviços de Saúde; Parto Normal; Modelos Teóricos
Introdução
Para garantir um parto seguro é importante que a rede de atenção à saúde materno-infantil esteja organizada de forma a propiciar a integralidade do cuidado. Dentre as várias ações de atenção à gestante e ao recém-nascido está a garantia da assistência ao parto. Essa ação é assegurada pela legislação brasileira 1, que dispõe sobre o direito da gestante à vinculação na maternidade onde receberá assistência por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). Além dessa Lei, existem várias outras políticas públicas nacionais que visam à garantia segura da assistência ao parto, como o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN) 2, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal 3, o Pacto pela Redução da Mortalidade Infantil no Nordeste e Amazônia Legal 4 e a Rede Cegonha 5.
Apesar das diversas políticas públicas com o objetivo de organizar o acesso ao parto, estudos apontam que as gestantes ainda peregrinam em busca desta assistência, a despeito de ser sabido que, quando o acesso ao parto não é garantido, expõe-se a mãe e a criança a riscos desnecessários 6,7,8,9,10,11,12. Altas taxas de morbimortalidade materna e infantil estão relacionadas a gestantes que peregrinam em busca dessa assistência 8,10,13.
A boa organização da rede de serviços é importante para garantir a qualidade da assistência obstétrica e neonatal 14,15. O parto é uma urgência prevista. No Brasil, 98% dos partos ocorrem em ambientes hospitalares 16, no entanto, nem todos os municípios disponibilizam este serviço 17, por consequência, muitas gestantes precisam fazer deslocamentos intermunicipais para realizar tal procedimento 13,17.
Nesse sentido, faz-se necessário propor formas para acompanhar e avaliar as redes intermunicipais no tocante ao acesso das gestantes ao parto normal. O fluxo de origem e destino das parturientes, entre municípios diferentes, pode ser modelado como uma rede e, por meio da análise topológica desta rede, pode-se contribuir para a avaliação do acesso das gestantes ao parto normal. Nesse caso, a teoria dos grafos é uma possibilidade de auxiliar na avaliação e acompanhamento das redes de serviços intermunicipais.
Matematicamente, uma rede é representada por um grafo. Um grafo é composto por um conjunto de nós (ou vértices, ou pontos) e arestas (ou links, ou linhas). Ao realizar o desenho de uma rede, é possível estudar as propriedades topológicas e o desenvolvimento temporal e espacial deste conjunto de elementos e, assim, investigar os mecanismos de interação entre os componentes que formam esse sistema utilizando-se a teoria dos grafos 18,19,20.
Portanto, a fim de apoiar a tomada de decisão em saúde, no sentindo da avaliação do fluxo intermunicipal das gestantes, esta pesquisa tem o objetivo de estimar a topologia da rede de assistência ao parto normal no SUS por meio da teoria dos grafos.
Metodologia
Trata-se de um estudo quantitativo no qual os fluxos de origem e destino de internação por parto normal, de todos os municípios do Estado da Bahia, Brasil, foram modelados conforme redes e a sua topologia foi estimada por meio da teoria dos grafos. Para investigar o comportamento da rede, foram analisados os padrões de conectividade entre os municípios e, também, foram elaborados indicadores com base nos índices da teoria dos grafos, a fim de caracterizar o parto normal para as nove macrorregiões de saúde da Bahia 21.
As tabelas dos fluxos de origem e destino foram construídas usando-se o programa Tabwin (http://datasus.saude.gov.br/transferencia-download-de-arquivos/download-do-tabwin), no qual foram selecionadas as internações ocorridas na Bahia, registradas pelo Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS), com o código de procedimento referente ao parto normal (0310010039), de residentes no referido estado no período de 2008 a 2014. Foram utilizados os seguintes campos da Autorização de Internação Hospitalar (AIH): município de residência, município de ocorrência do procedimento e procedimento realizado.
A escolha pela utilização apenas de partos normais deve-se ao fato de esta ser uma demanda que deveria ser atendida localmente ou no âmbito da própria Região de Saúde. Para os partos cesarianos e de alto risco, é esperada outra conformação da rede, não sendo interessante a mistura de tipos de partos diferentes. Entretanto, é sabido que, para reduzir a morbimortalidade materna e infantil, é importante analisar paralelamente as redes dos diversos tipos de partos realizados pelas parturientes.
Para desenhar os fluxos de origem e destino do parto normal foram considerados apenas os registros nos quais o município de residência era diferente do município de internação. Nesta pesquisa, cada nó é a localização espacial da sede do município e a aresta é o deslocamento intermunicipal do município de residência da gestante até o município de ocorrência do parto normal. Os nós foram coloridos conforme a macrorregião à qual pertence o município, e o tamanho do nó diferencia conforme o seu grau de entrada, isto é, quanto maior o valor do grau de entrada maior o tamanho do nó. As arestas foram coloridas conforme a macrorregião de residência da gestante. Os desenhos das redes foram gerados por meio do programa Gephi (https://gephi.org/).
Os índices utilizados nesta pesquisa foram: grau de entrada, grau de saída, fluxo de entrada, fluxo de saída e tamanho médio da aresta de saída. No contexto do presente trabalho, o grau de entrada tem como referência o município que realiza o procedimento. Esse índice quantifica o número de diferentes municípios que procuraram o município no qual foi realizado o procedimento parto normal. O grau de saída tem como referência o município de residência. Esse índice quantifica para quantos municípios diferentes as pessoas tiveram de se deslocar em busca do procedimento. O fluxo de entrada quantifica o número de pessoas que chegaram de outros municípios para realizar o procedimento em questão. O fluxo de saída mensura quantas pessoas saíram do seu município de residência para a realização do procedimento em outro município. O tamanho médio da aresta de saída é a média ponderada das distâncias, em linha reta, entre os municípios onde houve fluxo de saída. Esse índice pode ser expresso por meio da seguinte equação:
Nesta equação, k s é o grau de saída, D i é a distância percorrida, em quilômetros, do município de origem ao município de destino e F i é o número de pessoas que se deslocaram. Esse índice representa, em média, o quanto o usuário precisa se deslocar do seu município de origem para ser atendido. É importante salientar que essa medida de distância representa uma medida teórica que indica o menor caminho entre os municípios, sendo que a distância real depende do meio de transporte utilizado, sendo maior do que a distância em linha reta.
Os indicadores elaborados para a caracterização do parto normal nas nove macrorregiões da Bahia foram: (i) proporção de partos normais realizados fora do município de residência e (ii) tamanho médio da aresta de saída da macrorregião. A seguir, o detalhamento de cada indicador.
Proporção de partos normais realizados fora do município de residência por macrorregião
Este indicador mede a porcentagem de partos normais realizados em gestantes fora do seu município de residência no ano considerado. Isso é, verifica quantas gestantes realizaram deslocamento intermunicipal para ter acesso à assistência ao parto normal em uma determinada macrorregião. Pode ser utilizado para analisar variações geográficas e temporais quanto à capacidade de realizar partos em determinados municípios, identificando situações de insuficiência e tendências que demandem ações e estudos específicos. Contribui para avaliar o acesso e a adequação do volume de partos normais às necessidades de atenção regionalizada de uma população.
Método do cálculo: fluxo de saída de um determinado município dividido pelo número total de internações deste município por parto normal. Expresso pela seguinte equação:
Nesta equação, FS é o fluxo de saída e ΣPNmr é o somatório de partos normais por município de residência.
Tamanho médio da aresta de saída por macrorregião
Este indicador mensura a média da aresta de saída de uma macrorregião. É obtido por meio da soma de todos os tamanhos médios das arestas de saída dos municípios de uma macrorregião, dividido pelo número de municípios com grau de saída diferente de zero desta macrorregião. Sua aplicação dá uma ideia da distância percorrida, em linha reta, de uma parturiente numa determinada macrorregião e, assim, pode ser identificado se habitantes de certa macrorregião precisam se deslocar mais do que os de outras macrorregiões.
Método de cálculo: a soma do tamanho médio das arestas de saída de uma determinada macrorregião dividido pela soma dos municípios com grau de saída diferente de zero nesta macrorregião.
Nesta equação, ΣD é a soma dos tamanhos médios da aresta de saída dos municípios da macrorregião e nGS ≠0 é o número de municípios com grau de saída diferente de zero.
Resultados
Em 2008, foram registrados 168.217 partos pelo SUS na Bahia, destes, 119.546 (71%) foram partos normais. Em 2014, o número de registros de partos foi igual a 156.933. Em relação ao parto normal, esse número caiu para 95.055 (60,6%) partos. Apesar da queda do número de partos normais, estes ainda representaram a maioria dos partos realizados na Bahia. As proporções de parto normal, em 2014, variaram entre 49,2% (macrorregião Leste) e 86,6% (macrorregião Centro-Leste)
Na Bahia, não houve um crescimento significativo do número de municípios que apresentaram AIH para parto normal. Em 2008, dos 417 municípios, 293 apresentaram registros para esse procedimento; em 2014, esse número subiu para 298 municípios
Tabela 1 Partos e partos normais registrados por macrorregião. Bahia, Brasil, 2008 e 2014.
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A macrorregião Nordeste foi a que apresentou a menor proporção de municípios que registraram parto normal em 2014 (51,5%), seguida da macrorregião Sul (62,7%). A macrorregião Oeste foi a que registrou o maior crescimento na proporção de municípios que apresentaram AIH para parto normal, aumentou de 64,9% em 2008 para 75,7% em 2014. Já a macrorregião Centro-Norte, em 2014, foi a que apresentou a maior proporção de municípios (86,8%) que registraram parto normal
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Figura 1 Fluxo de origem e destino das gestantes que realizaram parto normal, tamanho do nó segundo o grau de entrada, classificados com cores segundo a macrorregião do município de residência. Bahia, Brasil, 2008 a 2014.
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Pelos dados do SIH/SUS, em 2008, 22% dos partos normais na Bahia foram realizados fora do município de residência; já em 2014, esta proporção cresceu para 24,8%. Das nove macrorregiões da Bahia, a Nordeste foi a que apresentou, em toda série histórica, o maior crescimento na proporção de partos normais fora do município de residência; em 2008, essa macrorregião apresentou a proporção de 30,7% e, em 2014, este indicador cresceu para 44,8%. A macrorregião Centro-Norte apresentou o segundo maior crescimento de partos normais realizados fora do município de residência; em 2008, esta proporção foi de 21,6% e, em 2014, este indicador foi para 30,9%. A macrorregião Sul, a qual, durante a série histórica apresentou resultados altos para esse indicador, em 2008 apresentou 36,9% e finalizou 2014 com a proporção de 38,8%
Figura 2 Proporção de partos normais realizados fora do município de residência por macrorregião. Bahia, Brasil, 2008 a 2014.
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As macrorregiões Extremo Sul e Leste foram as que apresentaram as menores proporções de partos normais fora do município de residência em toda a série histórica; em 2014, apresentaram, respectivamente, 14,4% e 18,3%. A macrorregião Oeste foi a única que apresentou queda para esse indicador; em 2008, apresentou a proporção de 21,8% de partos realizados fora do município de residência e, em 2014, este indicador foi para 19,4%
O Estado da Bahia apresentou aumento de 19,7% do tamanho médio da aresta de saída entre 2008 e 2014. As distâncias médias percorridas pelas parturientes, para a realização do parto normal, variaram entre 98,5km (macrorregião Norte) e 35,8km (macrorregião Leste). Apenas a macrorregião Extremo Sul apresentou queda (8,1%) para esse indicador. As macrorregiões que apresentaram o maior tamanho médio da aresta de saída, durante toda a série histórica, foram a Norte e a Oeste
A macrorregião Centro-Leste foi a que apresentou o maior crescimento do tamanho médio da aresta de saída; em 2008, esta aresta média foi em torno de 56,7km e, em 2014, esta medida foi para 76,5km. Logo depois, a macrorregião Nordeste apresentou o segundo maior crescimento para esse indicador; passou de 38,6km em 2008 para 48,1km em 2014, seguida da macrorregião Centro-Norte, que passou de 49,5km em 2008 para 60,5km em 2014. Em 2014, a macrorregião Sudoeste apresentou o terceiro maior tamanho médio da aresta de saída (66,4km). A macrorregião Leste registrou o menor tamanho médio da aresta de saída durante todo o período da série histórica; em 2008, esta aresta media por volta de 31,9km e, em 2014, esta medida foi de 35,8km
Figura 3 Tamanho médio da aresta de saída por macrorregião. Bahia, Brasil, 2008 a 2014.
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A seguir foram aplicados os índices nos municípios que apresentaram o maior registro de parturientes provenientes de outros municípios (fluxo de entrada) por macrorregião. Nessa direção, foi observado que Itabuna, um município sede de Região de Saúde da macrorregião Sul, em 2008, registrou 2.093 partos normais em parturientes provenientes de outros municípios e, em 2014, este registro foi para 2.325 partos, sendo que, em 2008, Itabuna registrou parto normal em gestantes de 50 diferentes municípios e, em 2014, foram registrados 53 municípios. Na macrorregião Centro-Leste, Feira de Santana, o município polo desta macrorregião, apresentou o maior número de registros para parto normal em parturientes de outros municípios; em 2008, registrou 2.963 partos e, em 2014, foram registrados 2.290 partos. Quanto ao número de municípios, em 2008, Feira de Santana registrou partos normais em parturientes provenientes de 104 municípios e, em 2014, este registro foi de 109 municípios. Em seguida, na macrorregião Leste, Salvador, a capital da Bahia, apresentou o maior número de partos normais realizados em parturientes provenientes de outros municípios; em 2008, foram registrados 897 partos e, em 2014, registrou-se 1.508 partos. No que se refere ao número de municípios, Salvador apresentou parto normal em parturientes provenientes de 93 municípios e, em 2014, este registro passou para 124 municípios. No que diz respeito à macrorregião Nordeste, foi observado que Antas, um município com menos de 20 mil habitantes (DATASUS; http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/poptba.def, acessado em 29/Jan/2017), recebeu o maior número de parturientes provenientes de outros municípios; em 2008, registrou 463 partos e, em 2014, este número foi para 1.339 partos. Também houve aumento do número de municípios cujas gestantes realizaram parto normal em Antas; este número passou de 14 municípios em 2008 para 29 em 2014
Tabela 2 Município com maior fluxo de entrada e grau de entrada por macrorregião. Bahia, Brasil, 2008 a 2014.
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Discussão
Ao analisar as redes intermunicipais no período, observou-se o aumento dos deslocamentos intermunicipais na Bahia para a realização de partos normais e o aumento da distância percorrida pelas parturientes. Já foi demonstrado em estudo anterior que o aumento do deslocamento geográfico eleva o coeficiente de mortalidade infantil (CMI) 13, corroborando com a afirmação de que a regionalização da assistência hospitalar ainda é um desafio a ser superado 13,17.
No que se refere ao indicador tamanho médio da aresta de saída, das nove macrorregiões da Bahia, oito apresentaram aumento deste indicador no período analisado e sete macrorregiões obtiveram resultados acima de 50km em 2014. No estudo que analisou o CMI com o deslocamento das parturientes entre municípios 13, foi encontrada uma variação entre 15 óbitos por mil nascidos vivos para os deslocamentos menores do que 5km e 22 por mil nascidos vivos para os deslocamentos superiores a 50km. É importante considerar que alguns deslocamentos intermunicipais podem ocorrer no momento do trabalho de parto e isto pode ocasionar impactos para a parturiente e para o feto, pois esta locomoção pode provocar complicações como maior sofrimento da parturiente devido às contrações ocorrerem em local desconfortável, risco de infecção por estar em veículo inadequado, risco de acidente de transporte, de congestionamento e até a falta de apoio familiar no momento do parto, já que nem sempre a família poderá se locomover para acompanhá-la. Logo, para a definição das referências intermunicipais é importante considerar uma distância limite para que não se exponha a parturiente e o feto a riscos desnecessários.
A macrorregião Nordeste apresentou a maior proporção de partos normais realizados fora do município de residência, maior crescimento deste indicador no período analisado e um acentuado aumento do tamanho médio da aresta de saída. Foi constatado, nos resultados deste estudo, uma concentração de partos normais realizados no Município de Antas. Nesse sentido, é interessante verificar se esta concentração de partos está conseguindo garantir a qualidade do acesso à assistência ao parto normal. A realização de outros estudos poderia evidenciar o que explica essa concentração de partos normais no referido município.
Todos os municípios da Bahia têm definido qual é o município pactuado que vai receber a gestante para realizar parto normal 21, neste caso, é interessante confrontar o que foi pactuado com o fluxo que está sendo realizado pelas parturientes, inclusive, para apoiar a construção do mapa de vinculação a fim de garantir o parto e o nascimento seguros.
Os resultados apontaram que muitos municípios da macrorregião Centro-Norte realizaram parto normal. Esse resultado é incoerente com o acentuado crescimento da proporção de partos normais fora do município de residência e com o aumento da distância entre o município de residência e ocorrência do parto. Nesse sentido, é necessário investigar o que pode estar acontecendo, visto que, se os municípios dessa macrorregião realizam parto normal, não se justificaria as gestantes se deslocarem para realizar este procedimento em outros municípios.
A macrorregião Leste, na qual se localiza a Região Metropolitana de Salvador, apresentou o menor tamanho médio da aresta de saída por toda a série histórica. Os municípios que compõem essa macrorregião têm pequenas dimensões e esta característica pode estar influenciando neste resultado. Por outro lado, os municípios que compõem as macrorregiões Oeste e Norte são de grandes extensões territoriais, logo, qualquer deslocamento intermunicipal realizado pelas gestantes é de grande dimensão, elevando o indicador tamanho médio da aresta de saída, o que reforça a importância da territorialização dos serviços de saúde nestas duas regiões.
Os resultados desta pesquisa apontaram para uma desigualdade entre as macrorregiões da Bahia, demonstrada pelas diferenças entre as quantidades de parturientes que realizaram deslocamento intermunicipal e pelas distâncias médias percorridas. Também foi evidenciada uma desigualdade intrarregional, demonstrada pelo grande fluxo de gestantes em direção aos municípios sede de Região de Saúde. Em estudos anteriores, foi observada uma desigualdade regional no uso dos serviços relacionados ao grau de desenvolvimento socioeconômico da região, concentrando-se em zonas urbanas 13,22,23. Em outra pesquisa, sobre o acesso ao parto no Município do Rio de Janeiro, foi observado que os fluxos das gestantes eram em direção às regiões mais ricas da cidade, ou seja, houve maior busca por assistência ao parto normal nos locais de maior desenvolvimento econômico 24. Se o SUS deve assistir a população de forma universal e igualitária 25, as desigualdades encontradas neste estudo podem expor um tipo de iniquidade no acesso aos serviços de saúde. Alguns trabalhos apontam que a boa organização dos serviços de saúde, de forma regionalizada, é fundamental para alcançar a equidade no acesso e na utilização dos serviços de saúde 13,17,26, independentemente do desenvolvimento socioeconômico da região.
Algumas limitações foram observadas neste estudo: somente foi possível verificar o fluxo intermunicipal das gestantes, ou seja, averiguar o município de residência e ocorrência do parto normal, não sendo possível investigar os possíveis percursos da gestante em busca da assistência ao parto em caso de acesso negado; foram analisados apenas os partos normais hospitalares, entretanto, para a redução da morbimortalidade materna e infantil é importante considerar também os partos normais fora do ambiente hospitalar, assim como os partos cesáreos e de alto risco; foram considerados apenas os partos hospitalares, pois, para o desenho do fluxo realizado pelas parturientes, foi utilizado o SIH/SUS, base secundária disponibilizada pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS), de extrema importância para explorar esta e outras possíveis redes. Outra limitação deste trabalho é a incerteza sobre a fidedignidade do preenchimento dos campos das informações do SIH/SUS. No entanto, algumas literaturas apontam uma confiabilidade satisfatória para o campo procedimento realizado 27,28,29. Em relação à residência da gestante, um estudo de 2008 que analisou a qualidade da informação sobre o parto no SIH/SUS do Rio de Janeiro verificou que o preenchimento da residência materna tinha maior margem de erro 30; em outro trabalho, sobre o preenchimento do campo município de residência para as mulheres com internação por câncer de mama e colo de útero no Rio de Janeiro, foi observado que a confiabilidade no preenchimento deste campo diminuía quando a mulher residia fora do município onde buscava internação 31. Como nesta pesquisa foram selecionados apenas os registros de partos em gestantes que realizaram deslocamento intermunicipal, é importante considerar a omissão do município de residência de algumas parturientes. Nessa situação, aumentaria ainda mais a proporção de partos realizados fora do município de residência e o tamanho médio da aresta de saída.
Conclusão
O monitoramento e a caracterização dos fluxos intermunicipais das parturientes propiciam a qualificação do planejamento e diagnóstico sobre o funcionamento desta rede, identificando deslocamentos das gestantes por longas distâncias, sinalizando possíveis barreiras de acesso e, assim, apoiando a organização das referências intermunicipais. Dessa forma, a caracterização da rede, por meio da teoria dos grafos, pode ser utilizada como uma ferramenta de gestão.
Uma potencialidade desse método é a exploração dos recursos de forma visual. Neste trabalho, foi possível observar a evolução dos fluxos para a atenção ao parto normal por meio dos grafos a cada ano. A utilização de recursos visuais facilita a leitura sobre a evolução dos fluxos de origem e destino que estão sendo desenvolvidos pelos usuários do SUS.
Além da potencialidade da exploração dos dados de forma visual, esse método permite a criação de indicadores com base nos índices da teoria dos grafos. Na presente pesquisa, a caracterização dos fluxos intermunicipais das macrorregiões foi enriquecida por meio da criação de indicadores. A elaboração de outros indicadores é possível, conquanto não se perca a coerência do que está sendo desenvolvido.
Com a utilização dessa metodologia, é possível ainda focar em diferentes unidades de análises, como municípios, distritos sanitários ou unidade de saúde, pontuando melhor a dinâmica de acesso ao parto num dado local. Com base nessas informações, é possível avaliar se as pactuações estão adequadas ou se precisam de revisões, para, desta forma, atenderem às necessidades da população.
Este estudo mostrou a necessidade do desenvolvimento de uma rede regionalizada para atender às demandas das parturientes em seus territórios. A regionalização de rede para assistência ao parto normal é de grande relevância no planejamento em saúde. Os resultados deste trabalho evidenciaram um aumento na proporção de gestantes que realizaram parto normal fora do município de residência e aumento da distância percorrida, indicando que a organização de redes regionalizadas que garantam de forma equânime a integralidade do cuidado às parturientes ainda é um desafio a ser superado.
Agradecimentos
À Maria Alcina Romero e Cristiane Macedo pela ajuda na compreensão dos dados na perspectiva do sistema de saúde na Bahia. Ao professor Luciano Marques dos Santos pela ajuda no levantamento das referências bibliográficas, e aos professores Silvone da Silva e Hugo Saba pelas contribuições gerais.
Referências
Cadernos de Saúde Pública | Reports in Public Health
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