Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
33 nº.12
Rio de Janeiro, Dezembro 2017
ARTIGO
A qualidade do atendimento ao parto na rede pública hospitalar em uma capital brasileira: a satisfação das gestantes
Ana Lúcia Andrade da Silva, Antonio da Cruz Gouveia Mendes, Gabriella Morais Duarte Miranda, Wayner Vieira de Souza
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00175116
Avaliação em Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde; Parto
Introdução
No Brasil, o percurso da organização da assistência obstétrica determinou a consolidação de forma hegemônica do modelo tecnocrático, excessivamente medicalizado, não baseado em evidências científicas, com a despersonalização do cuidado e o predomínio do uso de tecnologia 1,2.
Seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o implemento da humanização da assistência ao parto, foi lançado no Brasil, no ano 2000, o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) 3. A assistência humanizada ao parto representa a contracultura ao modelo hegemônico e envolve conhecimentos, práticas e atitudes, para promover partos e nascimentos saudáveis. Garantindo a privacidade, a autonomia e o protagonismo da mulher com o desenvolvimento de procedimentos comprovadamente benéficos, sem intervenções desnecessárias, com o respeito às escolhas informadas e a presença de um acompanhante à escolha da parturiente 4,5.
As importantes estratégias desenvolvidas ao longo desses anos não têm sido suficientes para garantir a qualidade da atenção prestada às mulheres, refletindo o efeito limitado das políticas públicas dirigidas à mudança do paradigma de assistência ao parto. Estudos demonstram que o acesso aos serviços obstétricos não é igualitário 6,7, há iniquidade na distribuição de unidades e leitos 8, inadequações de estrutura das maternidades 9,10, persistência no desenvolvimento das práticas obstétricas não recomendáveis, tais como uso de ocitocina, episiotomia, manobra de Kristeller, entre outras 4,5,11,12, além do aumento constante das taxas de cesarianas, da prematuridade e do baixo peso ao nascer caracterizando a fragilidade dos cuidados prestados 13,14,15.
No contexto da avaliação de uma política pública prioritária, a satisfação das usuárias configura-se como importante campo na avaliação da qualidade, na medida em que seu nível de satisfação reflete os diversos momentos do atendimento e a maneira como os cuidados técnicos são dispensados ou recebidos, no relacionamento entre os usuários e o serviço de saúde 16,17,18. Na perspectiva das gestantes, à ambiência das unidades e a relação com os profissionais de saúde, tais como escuta e acolhimento, influenciam no seu julgamento sobre os cuidados recebidos 4,19,20.
Donabedian 21 propôs considerar os não especialistas (os pacientes) na definição de parâmetros e mensuração da qualidade dos serviços. Para ele, a avaliação do ponto de vista dos usuários é feita, sobretudo, por meio do atributo aceitabilidade, que se refere à conformidade dos serviços oferecidos em relação às expectativas e aspirações dos pacientes e seus familiares. A dimensão da aceitabilidade comporta condições de acessibilidade ao serviço, relação médico-paciente, adequação das dependências e instalações, preferências em relação aos efeitos e custos do tratamento, bem como tudo aquilo que o paciente considera justo ou equânime.
A avaliação da assistência obstétrica pelas gestantes se configura, então, como uma etapa fundamental para mensurar a qualidade da atenção. Nesse contexto, tendo em vista que a avaliação dos serviços de saúde subsidia o planejamento e a gestão do sistema, contribuindo para a melhoria de sua qualidade, este estudo se propôs avaliar a qualidade da atenção ao parto na rede pública hospitalar, na cidade do Recife, Pernambuco, Brasil, mediante a satisfação das suas usuárias.
Métodos
Foi realizado um estudo quantitativo transversal, de cunho exploratório, sobre a qualidade da assistência ao parto hospitalar na rede pública da cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, pela avaliação da satisfação das gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 2015, na cidade do Recife, a rede pública de atenção ao parto hospitalar era composta por 8 unidades: 3 maternidades municipais de referência ao parto de médio risco; 3 hospitais estaduais; 1 hospital filantrópico e 1 hospital federal, referências ao parto de alto risco para todo o Estado de Pernambuco. Nessa rede, são realizados aproximadamente 27 mil partos ao ano no SUS, representando 63% e 27% dos partos ocorridos na Região Metropolitana do Recife e do Estado de Pernambuco, respectivamente.
Foi realizada uma amostra estratificada agrupando-se as oito unidades segundo esfera/natureza de gestão, conformando-se quatro estratos: municipal (3 maternidades), estadual (3 hospitais), filantrópico (1 unidade) e federal (1 unidade). Tomando-se como referência o percentual de satisfação dos usuários nordestinos com a assistência recebida no SUS 22, definiu-se a expectativa de 60% de satisfação das usuárias com a assistência recebida, erro absoluto de 6% e 5% de significância estatística. Considerando-se o quantitativo total do número de partos realizados na rede no trimestre (6.720), período estabelecido para realização da coleta dos dados, obteve-se uma amostra de 250 usuárias por estrato, totalizando uma amostra de 1.000 usuárias a serem entrevistadas. Para os estratos compostos por mais de uma unidade, o N foi distribuído proporcionalmente ao número de partos realizados em cada serviço.
As usuárias foram entrevistadas enquanto estiveram internadas nas unidades, utilizando-se questionário fechado, por 10 estudantes do 5º ano do curso de graduação em medicina, da Universidade Federal de Pernambuco. As visitas foram realizadas todos os dias da semana, em diversos horários, durante o trimestre estabelecido para a coleta dos dados, quando todas as usuárias foram convidadas a participar. As que concordaram foram submetidas à entrevista, até completar o N de cada estrato. Durante o processo da coleta dos dados, 43 usuárias não se dispuseram a participar do estudo, representando 4,3% de recusas. Antes do início da escuta, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado, explicitando que se tratava de pesquisa externa à unidade e que todas as informações colhidas seriam mantidas sob sigilo, sem acesso a qualquer funcionário ou profissional dos serviços.
Foi realizado estudo piloto para avaliação do questionário e treinamento dos estudantes para discussão e apresentação dos objetivos da pesquisa e instrumentos de coleta dos dados. O questionário foi elaborado especificamente para os propósitos desta pesquisa, baseando-se no referencial teórico da avaliação da qualidade dos serviços de saúde de Donabedian 21 e da matriz de avaliação do Projeto de Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (PROADESS) 23, utilizando-se também as principais políticas que normatizam a assistência obstétrica no SUS 24,25.
O questionário foi composto por 58 questões, distribuídas em quatro seções: (i) identificação do questionário/entrevistador; (ii) caracterização das usuárias; (iii) avaliação da assistência; e (iv) avaliação da satisfação das usuárias. As questões que se referiram à satisfação apresentavam cinco alternativas para julgamento: péssimo, ruim, regular, bom e ótimo.
Com base no referencial adotado, foram definidas quatro dimensões da satisfação: (i) Acolhimento: o tempo de espera para atendimento na recepção, a gentileza dos profissionais na recepção, o atendimento na recepção de forma geral, e o tempo de espera para atendimento pela equipe de saúde; (ii) Respeito ao direito das pessoas: o respeito dos profissionais, a confiança nos profissionais, a privacidade, o apoio nos momentos de dor e medo, a possibilidade de fazer perguntas e receber orientações, e a possibilidade de fazer reclamações; (iii) Assistência: a assistência pré-natal, as orientações dos cuidados com o recém-nascido, o trabalho dos médicos, e o trabalho da equipe de enfermagem; e (iv) Ambiência: a temperatura, o barulho, o conforto, a limpeza, a quantidade e qualidade das refeições, e a quantidade e a qualidade das roupas.
A descrição das usuárias, segundo atributos pessoais e assistenciais foi apresentada em frequências absolutas e relativas. Para verificar diferenças no atendimento prestado entre os estratos das unidades (esferas de gestão/natureza), utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson. Todas as decisões foram tomadas levando em conta o nível de significância estatística de 5%.
Para garantir a adequada representatividade entre os estratos, procedeu-se à ponderação dos resultados, pelo número de partos realizados em cada estrato: total (6.725); municipal (2.175 partos - 32,4%); estadual (2.450 partos - 36,4%); filantrópico (1.600 partos - 23,8%) e federal (500 partos - 7,4%). Aplicaram-se os respectivos fatores de correção: 1,296, 1,456, 0,952 e 0,296.
O grau de satisfação das participantes foi mensurado sob a hipótese de independência das observações, criou-se uma variável dicotômica, considerando que os atributos péssimo, ruim e regular referiam-se à insatisfação, e bom e ótimo, à satisfação.
Para verificar a existência de diferenças significativas entre as dimensões de insatisfação e seus atributos, optou-se pelo teste de Friedman, por se tratar de amostras relacionadas, as mesmas pessoas avaliando diferentes aspectos. Assim, foram apresentados os means rankings de insatisfação entre as usuárias, considerando quanto menor a média, maior a insatisfação das participantes.
A proporção de insatisfação foi apresentada considerando o número total de usuárias que responderam sobre cada aspecto avaliado, contudo o Nf considerado pelo teste de Friedman representou o conjunto de pessoas que respondeu sobre todos os aspectos.
A pesquisa é parte dos resultados do projeto de tese de doutorado aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 13161113.7.0000.5190) e financiado pelo Ministério da Saúde.
Resultados
Entre as 1.000 usuárias entrevistadas, mais de 21% eram mães adolescentes, e cerca de 30% tinham Ensino Fundamental incompleto ou nenhuma escolaridade. A maioria (75,6%) apresentava entre 20 e 39 anos e cor parda (69,4%), segundo sua autopercepção, 39,1% tinham Ensino Médio completo, 61,7% residiam fora cidade do Recife e cerca de 48% eram primíparas
Tabela 1 Caracterização das usuárias atendidas na rede pública hospitalar de atenção ao parto. Recife, Pernambuco, Brasil, 2015.
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Mais de 95% das usuárias realizaram pré-natal, dessas, 56,7% fizeram 7 ou mais consultas, e a minoria (25,2%) recebeu informações sobre o local onde iria parir. As unidades básicas de saúde representaram o principal local para realização dessa assistência, com frequência superior a 70%. Mais da metade (56,4%) das gestantes passou por duas ou mais unidades na busca por atendimento no momento do parto, com 48,7% de usuárias transferidas entre as maternidades. A ambulância (480) e o carro próprio (383) foram os meios de transportes mais utilizados. Cerca de 28% das gestantes percorreram mais de 50km, levando mais de duas horas para chegar à unidade em que receberam atendimento, além disso quase a totalidade (98,9%) não recebeu auxílio financeiro para o deslocamento
Tabela 2 Descrição das usuárias atendidas na rede pública hospitalar de atenção ao parto, segundo atributos pessoais e assistenciais. Recife, Pernambuco, Brasil, 2015.
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Em relação ao atendimento recebido nas unidades, mais de 92% das gestantes foram atendidas na recepção em até 30 minutos. O tempo de espera pelo atendimento da equipe de saúde apresentou diferenças significativas entre os estratos (p < 0,001), sendo menor nas unidades estaduais e maior nas municipais e filantrópica
Tabela 3 Caracterização do atendimento recebido pelas usuárias na rede pública hospitalar, segundo as esferas de gestão das unidades. Recife, Pernambuco, Brasil, 2015.
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A proporção de partos vaginais foi superior e significativa entre as unidades municipais (80%), enquanto nos hospitais estaduais e filantrópico os partos cirúrgicos ultrapassaram 55%. Em todas as unidades, a maioria dos partos foi realizada por médicos. Nas unidades municipais, observou-se a maior proporção (13,5%) de partos realizados por enfermeiros. A permissão da presença do acompanhante em todos os momentos foi maior no hospital filantrópico e menor nas maternidades estaduais (p < 0,001)
O contato pele a pele na sala de parto foi superior a 80% em todas as unidades. Contrariamente, a amamentação na sala de parto apresentou baixas proporções em toda a rede, entretanto com diferenças significativas, sendo superior na unidade federal (22%) e inferior nas municipais (6%). Mais de 30% dos recém-nascidos necessitaram de cuidados hospitalares, dentre eles, a maioria esteve em UTI nas instituições estaduais (50,4%) e filantrópica (42,9%). O berço aquecido foi o equipamento mais utilizado nas unidades federal (77,3%) e municipais (54,9%). O internamento em alojamento conjunto foi superior nas unidades municipais e inferior nos internamentos dos hospitais federal e estaduais (p < 0,001).
Em relação à orientação e ao estímulo à amamentação, verificou-se a maior proporção (91,6%) no hospital filantrópico. Contudo, mais de 14% das parturientes não foram abordadas sobre a questão nas outras unidades da rede. Os menores percentuais de orientação sobre os cuidados puerperais e com os recém-nascidos foram verificados nas unidades municipais e estaduais (p < 0,001)
Entre as usuárias entrevistadas, 5,3% relataram ter sofrido violência durante o atendimento, com maiores proporções nas unidades municipais e estaduais.
A avaliação geral com o atendimento recebido apresentou diferenças entre os estratos, sendo maior a satisfação das usuárias com o atendimento no hospital filantrópico, e menor entre as gestantes assistidas nas unidades municipais e estaduais (p < 0,001)
A análise da satisfação das usuárias apresentou diferenças em todas as dimensões avaliadas (p < 0,001). As usuárias estiveram mais satisfeitas com a Assistência e o Acolhimento e mais insatisfeitas com a Ambiência (47,1%) e o Respeito ao direito das pessoas (29,7%)
Tabela 4 Insatisfação das usuárias com a qualidade da assistência ao parto, na rede pública hospitalar. Recife, Pernambuco, Brasil, 2015.
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Em relação ao Acolhimento, a maior satisfação foi com a gentileza dos profissionais (85,7%) e as maiores insatisfações foram com o tempo de espera para atendimento pela equipe de saúde (41,8%), seguidas pelo tempo de espera para atendimento na recepção (23,2%). Na avaliação do Respeito ao direito das pessoas, as usuárias estiveram mais satisfeitas com o respeito (86,3%) e a confiança (82,1%) nos profissionais e mais insatisfeitas com a possibilidade de fazer reclamações (49,8%) e com a privacidade (48,1%)
Em relação aos aspectos avaliados na dimensão de Assistência pré-natal e parto, constatou-se a maior satisfação com o trabalho dos médicos e a menor com a assistência pré-natal. Na dimensão da Ambiência, identificaram-se os maiores percentuais de insatisfação em todos os aspectos avaliados, sendo superior na temperatura da enfermaria (58,3%) e conforto (51,4%)
Discussão
O perfil das usuárias atendidas na rede pública de atenção ao parto hospitalar, na cidade do Recife, é de primíparas pardas, com idade entre 20 e 39 anos, com Ensino Médio completo, residentes de Recife e municípios da Região Metropolitana.
Apesar da redução nas taxas de fecundidade e da melhoria das condições sociais ocorridas no Brasil, nas últimas décadas 26, identificou-se que, em Recife, para cada cinco partos realizados, um foi em adolescentes.
Os resultados demonstraram que a maioria das usuárias atendidas na rede reside fora da cidade do Recife, caracterizando uma migração das gestantes para parir na capital. Fluxo em parte justificado porque, entre as oito unidades avaliadas, cinco são hospitais de referência ao parto de alto risco para todo o Estado de Pernambuco, embora mais da metade tenha sido de partos vaginais.
Situação diferente é encontrada no Ceará, onde a assistência ao parto de baixo e médio risco é garantida nos municípios de residência das gestantes, sendo, portanto, a maioria dos partos realizada na capital de residentes de Fortaleza 27.
Os achados da alta adesão e cobertura do pré-natal com a baixa vinculação ao parto revelam a fragmentação no atendimento às gestantes que percorrem por conta própria fluxos desordenados entre as cidades e as maternidades, peregrinando por duas ou mais unidades na busca por atendimento no momento do parto como fica evidenciado nos resultados. Além disso, não foi garantido às gestantes o auxílio financeiro ao deslocamento para realização das consultas de pré-natal e parto.
A falta de conexão entre os serviços que prestam assistência pré-natal e aqueles que disponibilizam assistência ao parto, associada a problemas na organização dos serviços de saúde, à carência e má distribuição de vagas e leitos obstétricos representa um obstáculo entre a busca e a obtenção dos serviços para as gestantes no SUS 28,29.
Diante disso, a Rede Cegonha preconiza que seja concedido apoio financeiro ao deslocamento das gestantes para a realização das consultas de pré-natal e para o local em que será realizado o parto, visando à garantia da qualidade do pré-natal com início precoce e número adequado de consultas e exames, bem como o direito a partos humanizados e seguros 24.
Verificou-se que as usuárias foram atendidas de imediato na recepção das unidades, todavia houve demora no atendimento pela equipe de saúde, especialmente nas unidades municipais e filantrópica. A permissão da presença do acompanhante em todos os momentos foi assegurada no hospital filantrópico e não garantida nas outras unidades, caracterizando a inadequação da assistência prestada na rede pública do Recife.
A assistência de qualidade ao parto, incluindo os direitos reprodutivos da mulher de ter um acompanhante de sua livre escolha, uma vaga assegurada em maternidade de fácil acesso e atendimento digno (sem espera longa) ocorre em sinergia negativa com a escolaridade, raça e situação socioeconômica das mães 19,30,31.
Os elevados percentuais de partos cesáreos encontrados nas unidades de alta complexidade no Recife refletem a concentração dos serviços de referência na capital. Em um estado de longa extensão territorial, a má distribuição dos serviços e leitos obstétricos configura-se como uma barreira ao acesso das mulheres aos serviços de saúde, forçando-as a percorrer longas distâncias por atendimento, contribuindo sobremaneira para a elevada peregrinação encontrada. As proporções de cesarianas encontradas, muito superiores aos 15% recomendáveis pela OMS, revelam o caráter intervencionista e medicalizado da atenção ao parto no Brasil, onde o modelo tecnocrático da assistência obstétrica possibilita a utilização acrítica de novas tecnologias e incorporação de grande número de intervenções (muitas vezes desnecessárias), não considerando as mulheres em sua totalidade física, psíquica, afetiva e seus valores 32,33,34.
Para Leal et al. 6, no Brasil, a alta cobertura do atendimento hospitalar na assistência ao parto é ainda permeada com obstáculos no acesso à maternidade. Ocorre desorganização do sistema de saúde na oferta dos leitos obstétricos e neonatais, com maior concentração da oferta nas capitais dos estados, onde se concentram os serviços com maiores recursos tecnológicos.
Nas maternidades municipais, o quantitativo de partos vaginais esteve adequado ao seu nível de complexidade, com maior participação de enfermeiros, porém essa condição não propiciou a amamentação na sala de parto, que foi pouco praticada em toda a rede. Em contrapartida, a maioria das mulheres foi sensibilizada e estimulada a amamentar.
Entretanto, um número razoável de mulheres deixou os serviços de saúde sem qualquer abordagem a esse respeito. Achados não condizentes com a proposta da humanização da assistência ao parto, em todas as unidades certificadas em Iniciativa Hospital Amigo da Criança, resultados semelhantes foram verificados por outros estudos 35,36.
Em relação ao contato pele a pele mãe-bebê e à internação em alojamento conjunto, verificou-se que ambos estiveram instituídos nas unidades, permitindo o fortalecimento dos vínculos às puérperas e seus recém-nascidos.
Nas unidades avaliadas, cinquenta mulheres ouvidas ainda durante o internamento relataram ter sofrido violência, realidade que vem sendo amplamente discutida na literatura 19,37, buscando-se a visibilidade a fim de garantir o respeito à dignidade e aos direitos das mulheres.
O atendimento nos hospitais filantrópico e federal foi mais bem avaliado pelas usuárias, enquanto os cuidados prestados nas maternidades municipais e estaduais apresentaram insatisfação acima da esperada. Situação que se reveste de importância para a gestão e a organização dos serviços de atenção ao parto na capital.
Em relação à avaliação da satisfação das usuárias, segundo as dimensões da qualidade da assistência adotadas por este estudo, observou-se que as maiores satisfações foram com a Assistência e o Acolhimento, sendo, portanto, as maiores insatisfações com a Ambiência e o Respeito ao direito das pessoas.
Na dimensão Acolhimento, apesar da boa avaliação com a gentileza e seu atendimento na recepção, aconteceu alto grau de insatisfação com o tempo de espera para atendimento pela equipe de saúde, demonstrando que receber as gestantes de forma inclusiva e responsável requer mais que cortesia e gentileza. A demora pela assistência dos profissionais possivelmente está associada à demanda maior que a capacidade de atendimento nas unidades e ao seu quantitativo de profissionais, condição que interfere na qualidade do atendimento às gestantes nas unidades.
A avaliação dos aspectos relacionados com o Respeito ao direito das pessoas demonstrou alta proporção de satisfação com o respeito e confiança nos profissionais, retratando a capacidade dos serviços de saúde de atender às necessidades das gestantes na perspectiva dos direitos de cidadania. Situação reforçada quando a maioria das gestantes relatou receber apoio em seus momentos de dor e medo. Houve grande insatisfação com a privacidade e impossibilidade de fazer reclamações, o que evidenciou problemas de adequação da estrutura hospitalar. Outros estudos também identificaram avaliações positivas das mulheres relacionadas ao respeito, à confiança e ao trabalho dos profissionais 4,29,38.
Na avaliação da Assistência, chama a atenção a alta proporção de satisfação com o trabalho dos médicos, condizente com o sentimento de respeito e confiança verificados na dimensão anterior. Embora a avaliação da assistência pré-natal tenha demonstrado que a maioria das usuárias realizou sete consultas ou mais nas unidades básicas de saúde, a grande insatisfação das usuárias com o pré-natal pode estar relacionada à desvinculação entre o pré-natal e o parto, problema ainda não superado nos serviços de saúde do SUS 6,30,33.
Os aspectos avaliados na dimensão Ambiência apresentaram grande insatisfação com a temperatura na enfermaria, o conforto, a qualidade e quantidade das roupas e o barulho, demonstrando que a estrutura das unidades não está adequada à humanização e qualidade da assistência.
Os resultados apontam para avanços na prestação dos cuidados às gestantes e puérperas como a ampliação da cobertura da assistência pré-natal com 7 ou mais consultas, o desenvolvimento de práticas recomendadas pelo modelo humanístico de atenção ao parto, consolidação do acolhimento, e do vínculo entre profissionais e usuárias no sentido do respeito, dignidade e cortesia.
Apesar das conquistas, os achados deste estudo revelaram a necessidade de reorganização da política de assistência obstétrica no Recife e consequentemente no Estado de Pernambuco, na perspectiva da retomada e fortalecimento do processo de regionalização no estado, consolidação das redes de atenção, regulação do acesso e definição de fluxos de referência e contrarreferência, buscando-se superar a peregrinação, longos deslocamentos na busca por atendimento no momento do parto, a desconexão entre a assistência pré-natal e a má distribuição dos serviços e leitos, garantindo o acesso oportuno e equânime aos serviços.
No que se refere à assistência prestada nas unidades avaliadas, fazem-se necessárias adequações da estrutura física enquanto compromisso com a ambiência, proporcionando o bem-estar das mulheres, bem como preservando o direito à sua voz. Intervenções de resolução em curto prazo e que não requerem grandes aportes de investimentos tais como ajustes na temperatura, ruídos, qualidade das roupas, refeições, privacidade dos alojamentos conjuntos e acesso à ouvidoria, devem ser implementadas com intuito de atender às necessidades das usuárias.
A garantia do atendimento com qualidade requer o fortalecimento das conquistas alcançadas e a consolidação da política de humanização da atenção obstétrica, assegurando às mulheres e aos recém-nascidos partos e nascimentos seguros e saudáveis na perspectiva dos direitos de cidadania.
As puérperas foram ouvidas enquanto estavam internadas nas unidades, situação que pode, em parte, ter causado receios no julgamento dos aspectos avaliados, mas a riqueza dos resultados identificados demonstraram a validade e pertinência da abordagem e metodologia adotadas neste estudo. Apesar da importância dos achados, obtidos pela ausculta direta das usuárias, o desenvolvimento de outros estudos que utilizem outras metodologias possibilitarão trazer outras compreensões, ampliando a percepção de tema tão complexo.
Agradecimentos
Agradecimento ao Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância à Saúde, Edital 20/2013) pelo financiamento da pesquisa.
Referências
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