Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
33 nº.Suplemento 3
Rio de Janeiro, 2017
DEBATE
As autoras respondem
Vera Luiza da Costa e Silva, Silvana Rubano Turci, Ana Paula Natividade, Ana Paula Richter
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311XCO050317
Em primeiro lugar, agradecemos aos debatedores pela enriquecida discussão sobre Parcerias Público-Privadas (PPP) na área da saúde. A natureza do artigo suscita um debate sobre a lisura entre determinadas PPP, em especial, entre as grandes corporações, como a indústria do tabaco e o setor público. Essa indústria em particular, apesar de possuir um arcabouço legal bem estabelecido, resume-se a uma empresa que vende uma droga que mata um em cada dois consumidores. Alguns autores 1 já destacavam desde 1998 que o estabelecimento das PPP deve ter como objetivo “a melhoraria da saúde das populações”, o que obviamente não se aplica à indústria do tabaco, mas pode se aplicar a algumas empresas voltadas ao desenvolvimento do bem-estar, como citadas no artigo 2. No caso da indústria tabagista, a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT-OMS), em seu Artigo 5.3, estabelece que os interesses da Saúde Pública devem ser protegidos das táticas que essa indústria adota e, os debatedores foram incisivos sobre o quanto as PPP envolvem a noção de risco e ideologias pertinentes ao nosso status enquanto sociedade de consumo.
Galvão, ao fazer suas considerações, chama a atenção sobre os riscos que as PPP representam para os bens públicos. Cita como exemplo a saúde dos agricultores que plantam tabaco e os fatores envolvidos em tal produção - agrícola ou industrial - assim como a necessidade de se avaliar todo o ciclo produtivo no estabelecimento do risco. Esses agricultores estão continuamente expostos ao sol, aos agrotóxicos de alta toxidade e a nicotina presente nas folhas de tabaco. Contudo, o quadro poderia mudar drasticamente se os Artigos 17 e 18 da CQCT-OMS fossem cumpridos e os agricultores pudessem acessar linhas de crédito para reduzir a área de cultivo, transformando suas propriedades em locais onde se produzem alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos.
A debatedora Johns trouxe à tona uma questão extremamente relevante - o aumento da obesidade em função da ingestão de alimentos ultraprocessados - e sugere adicionar o elemento “risco de associação” para a análise de categorização de PPP. Não é admissível que uma instituição pública de saúde se associe a indústrias de fast food para manter seu funcionamento, como ocorre em algumas instituições brasileiras. Por outro lado, não é admissível que as políticas públicas de saúde não privilegiem instituições de saúde na prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, com a prioridade para a manutenção do bom funcionamento destes serviços.
Rodrigues questiona a natureza das PPP, e interroga se o que prevalece é colaboração ou competição. Da mesma forma, questiona a possibilidade de parcerias com corporações, tendo em vista seus interesses comerciais e princípios, como o “princípio do melhor interesse da companhia”. De fato, é de extrema importância que esses dois aspectos sejam escrupulosamente analisados quando se considera uma possível PPP. O exemplo de PPP com a indústria do tabaco ilustraria adequadamente uma parceria malsucedida em que, se os fatores envolvidos na natureza da parceria e os interesses comerciais da indústria não fossem analisados, a competição e os interesses econômicos da parte privada prevaleceriam. Sendo assim, uma das maneiras de evitar PPP com tais características é seguir as diretrizes desenvolvidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para se trabalhar com o setor privado buscando resultados na saúde 2, com a finalidade de minimizar potenciais riscos de conflito de interesses que possam ter impacto na saúde pública. Na área da saúde pública, a OMS aprovou em 2017, um marco de envolvimento em PPP para nortear as ações da agência quanto ao levantamento de recursos adicionais necessários ao seu financiamento 3. Esse fato, na opinião dos autores, não caracteriza uma dissolução de mecanismos de negociação de acordos internacionais, solução de controvérsias e formação de consensos, porém traz um elemento adicional que se reflete na necessidade de assegurar que a agenda de trabalho dessa e de outras agências não sejam influenciadas ou direcionadas de maneira incompatível com os planos de trabalho aprovados pelas Assembleias Gerais e que, além do já descrito conflito de interesses, não haja risco de reputação para a organização advinda da doação de recursos.
Os comentários de Guimarães trazem pontos relevantes e apontam para a necessidade de uma análise do contexto histórico e situacional que impulsionaram a discussão das PPP, o que foge ao âmbito deste estudo. No entanto, parece plausível a hipótese de que a potencial promoção dessas parcerias possa ter sua origem na necessidade dos organismos intergovernamentais de suprir a redução de financiamento regular de seus estados membros, especialmente dos órgãos, programas e agências especializadas da ONU. Indicador possível desta tendência é o estabelecimento do Global Compact, no âmbito da ONU 4, como instância promotora de ações de responsabilidade social por parte do setor privado. Tal tendência foi mantida na promoção das parcerias que fazem parte da plataforma de objetivos da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030 5.
Agradece-se a Guimarães pela proposição muito oportuna do conceito de “intenção e gesto”. Acredita-se que o primeiro termo se associa especialmente à imagem que muitas empresas buscam junto ao público como “socialmente comprometidas”, uma intenção que geralmente não gera uma ação, ou o gesto do segundo termo.
Certamente, o debate sobre as PPP não se esgota com este artigo, e diversos aspectos deste processo devem ser alvo de futuros estudos e propostas. Uma avaliação caso a caso, como sugerem os debatedores, poderia definir melhor o que se espera das PPP.
Referências
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