Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
34 nº.5
Rio de Janeiro, Maio 2018
ARTIGO
Violência física contra professores no espaço escolar: análise por modelos de equações estruturais
Francine Nesello Melanda, Hellen Geremias dos Santos, Denise Albieri Jodas Salvagioni, Arthur Eumann Mesas, Alberto Durán González, Selma Maffei de Andrade
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00079017
Violência no Trabalho; Docentes; Condições de Trabalho
Introdução
A violência física é definida como o uso da força ou poder com o objetivo de ferir, causar dor ou incapacidade, podendo levar, inclusive, à morte 1. Embora não seja a forma mais comum de violência, é a mais frequentemente identificada em decorrência das lesões que provoca e por suas consequências 2. No Brasil, no ano de 2014, foram registradas 59.681 mortes por agressões, das quais em 42.755 houve uso de armas de fogo e em 12.102, de armas brancas 3.
A violência no ambiente escolar representa um grande problema social, especificamente aquela dirigida ao professor. Esse tipo de violência não é captado pelos sistemas tradicionais de informação, o que dificulta o monitoramento da ocorrência deste evento. Assim, pesquisas são necessárias para conhecer a prevalência, características e fatores envolvidos na violência escolar. Um inquérito norte-americano (The APA Task Force on Violence Directed Against Teachers) investigou a experiência de violência de 2 mil professores atuantes em vários níveis de ensino. Os resultados revelaram que 80% relataram ter sofrido ao menos uma experiência de violência no último ano, sendo 94% praticadas por alunos. Quase metade dos professores (44%) referiu ter sido agredido fisicamente 4.
Em estudos com professores, características sociodemográficas, como sexo, situação conjugal e grau de instrução, foram fatores que estiveram associados à ocorrência de violência física 5,6,7. Contudo, são as características relacionadas ao trabalho docente e ao ambiente escolar que parecem estar mais fortemente relacionadas com a ocorrência de violência, como o número de alunos por sala, nível de ensino, tipo da escola 7, tamanho da escola e percepção sobre o clima escolar 8. Um estudo realizado em Minnesota, Estados Unidos, mostrou ainda que professores que testemunharam violência física de uma a três vezes nos trinta dias anteriores à pesquisa tinham chance quase três vezes maior de sofrer a mesma forma de violência 9.
Apesar da situação preocupante, estudos quantitativos sobre violência escolar no Brasil ainda são escassos e a maior parte investiga este fenômeno entre alunos ou contra alunos 10,11,12,13. Uma revisão sistemática, publicada recentemente, detectou apenas quatro artigos com dados quantitativos que investigaram a violência contra professores no ambiente escolar 14. As principais formas de violências investigadas nessa população foram: agressões 15,16,17, ameaças, insultos 15,18, manifestações de racismo 15 e sensação de insegurança no ambiente escolar 18, demonstrando que a literatura sobre o tema violência física contra professores é exígua.
Estudos sobre violência física contra professores, em geral utilizam análises que identificam relações diretas entre variáveis independentes e o desfecho, como a regressão linear 5, a logística 6 e a de Poisson 7. No entanto, considerando-se a violência como um fenômeno complexo, são necessárias análises que considerem também efeitos indiretos ou de mediação, como os modelos de equações estruturais 19.
Levando-se em conta a relevância do tema e utilizando modelagem de equações estruturais, este estudo teve como objetivo identificar associações entre fatores sociodemográficos, do trabalho e do ambiente escolar e a ocorrência de violência física contra professores.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, realizado em Londrina, Paraná, Brasil, entre agosto de 2012 e junho de 2013, parte de um estudo maior: Pró-Mestre: Saúde, Estilo de Vida e Trabalho de Professores da Rede Estadual de Londrina. Foram convidados a participar do trabalho todos os professores que atuavam no Ensino Fundamental ou Médio da rede estadual de ensino das vinte escolas (entre 63) com o maior número de docentes da zona urbana do município. A seleção das escolas foi realizada por conveniência, pela acessibilidade, por estarem distribuídas em todas as regiões da cidade e por nelas atuarem aproximadamente 70% dos professores do ensino básico. Para o presente estudo, foram considerados apenas os professores que atuavam na docência há pelo menos um ano.
A coleta de dados foi conduzida por entrevistadores previamente treinados e realizada na escola em que o professor estava vinculado, durante período em que não estava desenvolvendo atividades em sala de aula. O instrumento para a coleta de dados foi testado em um estudo piloto com 82 professores de três escolas estaduais de um município de menor porte da Região Metropolitana de Londrina. Após ajustes, os instrumentos definitivos foram constituídos por um formulário, para a anotação das respostas das entrevistas (duração aproximada de 40 minutos), e um questionário respondido pelo próprio professor após a entrevista (duração aproximada de 15 minutos), com questões que essencialmente devem ser autorreferidas como, por exemplo, raça/cor, e escalas validadas apenas para o autopreenchimento, não utilizadas no presente trabalho. Os dados foram duplamente digitados em um banco criado no programa Epi Info (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), versão 3.5.4 para Windows e, após a checagem e correção das discordâncias, o banco de dados consolidado foi analisado.
Foram consideradas perdas os professores que estavam em licença no momento da coleta de dados (21 dias em cada escola) e não retornaram às atividades após 30 dias do término da coleta, aqueles cujo contato não foi possível após a quinta tentativa e os que se recusaram a participar da pesquisa.
Violência física na escola (ocorrida nos 12 meses anteriores à pesquisa e no espaço escolar) representa o desfecho deste estudo e foi obtida pelo relato positivo a uma das três seguintes questões: “Você sofreu agressões ou tentativas de agressões físicas?”, “Você sofreu agressões ou tentativas de agressões com armas brancas (faca, canivete, tesoura etc.)?”, e “Você sofreu agressões ou tentativas de agressões com arma de fogo?”.
As variáveis independentes estudadas referem-se às características sociodemográficas (sexo, idade e raça/cor autorreferida), do trabalho (tipo de vínculo e número de locais de trabalho) e do ambiente escolar (relacionamento com os alunos, ter sofrido ameaça ou ter testemunhado violência física na escola nos 12 meses anteriores à pesquisa). Sexo e raça/cor autorreferida foram informadas pelo professor no questionário. As demais variáveis foram obtidas durante a entrevista.
A variável raça/cor foi coletada por meio das seguintes opções: amarela, branca, indígena, parda ou preta, e em seguida foi categorizada em branca e não branca. A informação sobre a idade foi coletada de forma contínua e categorizada em até 40 anos, 41 anos ou mais. A variável “número de locais de trabalho” foi categorizada em um, dois, três ou mais, e “tipo de vínculo” em estatutário e não estatutário (temporário). A informação sobre o relacionamento do professor com os alunos foi coletada por meio da seguinte questão: “Como você avalia o seu relacionamento com os alunos?”. As opções de resposta eram excelente, bom, regular ou ruim. Essa variável foi categorizada em excelente/bom e regular/ruim. Ter testemunhado violência física contra outros professores ou alunos e ter recebido ameaças no ambiente escolar foram categorizadas em sim ou não.
Modelos de equações estruturais foram utilizados para investigar relações entre violência física e relacionamento com os alunos, características sociodemográficas, condições de trabalho, ameaça e testemunha de violência física na escola. Esses modelos permitem considerar a complexidade teórica das variáveis sob estudo por meio da definição de um sistema de equações lineares que represente efeitos hipotéticos, estabelecidos pelo pesquisador, das variáveis independentes ao longo da cadeia causal do desfecho de interesse 20. Duas equações são utilizadas: a de mensuração, referente à definição de variáveis latentes; e a estrutural, usada para identificar o efeito de variáveis latentes e/ou observadas sobre o desfecho de interesse. Nesse contexto, dois tipos de variáveis podem ser usados: as observadas, diretamente mensuradas; e as latentes, representadas por equações de mensuração e apenas parcialmente mensuradas por combinações lineares das variáveis observadas. Para a especificação da equação estrutural, as variáveis latentes são ainda classificadas como exógenas (independentes) ou endógenas (dependentes). Variáveis latentes exógenas referem-se às variáveis independentes, cujas causas não são adicionadas ao modelo. Por outro lado, a variável endógena refere-se à variável dependente do modelo, e é determinada, teoricamente, por relações especificadas pelo pesquisador 21,22.
Assim, um diagrama de caminhos foi elaborado tendo como base estudos anteriores sobre o tema, em que características sociodemográficas 5,6,7 e relacionadas às condições de trabalho 7,8 apresentaram associação significativa com a ocorrência de violência física contra o professor no espaço escolar, estabelecendo possíveis relações entre as variáveis observadas e latentes e este desfecho.
A variável latente violência física (VF) foi construída com base em três variáveis observadas: agressões ou tentativas de agressões físicas (AFis), com armas brancas (ABr) e com arma de fogo (AFg). Condições de trabalho (CT) resultaram de duas variáveis observadas: número de locais de trabalho (NT) e tipo de vínculo (TV). Ter testemunhado violência física contra outros professores ou alunos (TM) e ter sofrido ameaças (AM) compuseram a variável latente “outras situações de violência no ambiente escolar” (OV).
No modelo estrutural, consideraram-se as relações entre variáveis latentes exógenas (CT e OV) e endógenas (VF), ajustadas por sexo, idade e raça/cor do professor, e percepção quanto ao seu relacionamento com os alunos (RelAluno)
Figura 1 Modelo teórico-conceitual da ocorrência de violência física contra professores da rede estadual de ensino de Londrina, Paraná, Brasil.
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A ausência de dados e a ocorrência de valores “outliers” foram verificadas. Apenas a variável “ter testemunhado violência física na escola” apresentou um dado faltante. Para o ajuste do modelo de equações estruturais, utilizou-se o estimador robusto ponderado pela média e variância (weighted least squares mean and variance adjusted - WLSMV), adequado à modelagem de variáveis observadas categóricas. A qualidade do ajuste do modelo foi verificada por meio do índice de Tucker-Lewis (TLI) (referência de bom ajuste TLI > 0,90), do índice de ajustamento comparativo (comparative fit index - CFI) (referência de bom ajuste > 0,90), da raiz do erro quadrático médio de aproximação (root mean square error of approximation - RMSEA) (referência de bom ajuste < 0,05) e da raiz padronizada do erro quadrático médio (standardized root mean square residual - SRMR) (referência de bom ajuste < 0,08).
Todas as análises foram realizadas usando-se o programa de domínio público R, versão 2.4.1 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org). Para o ajuste do modelo de equações estruturais utilizou-se o pacote estatístico “Lavaan”.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (CAAE nº 01817412.9.0000.5231) e cada entrevista foi conduzida somente após esclarecimento dos objetivos da pesquisa e consentimento do participante, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Dos 937 docentes elegíveis para a pesquisa nas vinte escolas selecionadas, 65 (6,9%) estavam em licença e não retornaram após trinta dias do término da coleta de dados em sua escola, 20 (2,1%) não foram encontrados após a quinta tentativa e 63 (6,7%) recusaram-se a participar, totalizando 148 perdas (15,8%). A população final constituiu-se, assim, de 789 professores (taxa de resposta = 84,2%).
A média da idade dos professores foi de 40,7 anos (desvio padrão - DP = 9,9 anos), com idade mínima de 23 e máxima de 68 anos. Houve predominância de pessoas do sexo feminino (66,4%) e de raça/cor referida como branca (74%). A maioria possuía vínculo de trabalho estabelecido por concurso - estatutário (64,1%) e quase um terço dos professores trabalhava em três ou mais locais (31,8%). Uma pequena proporção de professores classificou como regular ou ruim o seu relacionamento com os alunos (10,3%). Em relação a “outras situações de violência no ambiente escolar”, 601 professores (76,3%) informaram ter sido testemunhas de algum episódio de violência física, e 169 (21,4%) relataram ter sofrido ameaças
Tabela 1 Características dos professores da rede estadual de ensino de Londrina, Paraná, Brasil.
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Dos professores entrevistados, 62 (7,9%) reportaram tentativas ou agressões físicas, seis (0,8%) com o uso de armas brancas e quatro (0,5%) com armas de fogo
Em relação à mensuração das variáveis exógenas, exceto para a variável observada “número de locais em que trabalha” (λ = 0,456), as cargas fatoriais apresentaram valores baixos (inferiores a 0,40), embora estatisticamente significativos (p < 0,05). Para a variável endógena violência física, as cargas fatoriais também foram baixas e, no caso da variável observada “agressões com arma de fogo”, não significativa (p = 0,198).
Diferentes equações de regressão foram testadas para o modelo estrutural, com análise dos índices de modificação. A qualidade do ajuste foi insatisfatória quando raça/cor e sexo estavam no modelo e, portanto, estas variáveis, que não apresentavam significância estatística, foram retiradas das análises subsequentes. Além disso, covariâncias entre idade do professor, vínculo de trabalho e número de locais de trabalho foram adicionadas ao modelo. Portanto, o modelo final foi composto pelas variáveis observadas idade e relacionamento com os alunos (RelAluno) e, pelas variáveis latentes condições de trabalho e outras situações de violência no ambiente escolar.
Observou-se relação estatisticamente significativa entre “condições de trabalho” e violência física (p = 0,032) e, embora “outras violências na escola” não tenha apresentado valor de p < 0,05, foi a variável que apresentou efeito mais forte em violência física
Tabela 2 Estimativas dos parâmetros para o modelo de violência física contra professores da rede estadual de ensino de Londrina, Paraná, Brasil.
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As condições de trabalho apresentaram efeito direto significativo sobre o constructo violência física. A idade apresentou relação indireta com a violência física, correlacionando-se (idade mais jovem - até 40 anos) com piores condições de trabalho
Figura 2 Modelo final de equações estruturais com efeitos diretos e indiretos na violência física contra professores da rede estadual de ensino de Londrina, Paraná, Brasil.
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Discussão
Este estudo identificou que um em cada 12 professores reportou ter sofrido violência física na escola nos 12 meses anteriores à pesquisa. As condições de trabalho, como tipo de vínculo de trabalho temporário e número de escolas em que atuam, apresentaram associação significativa com a violência física. Ter testemunhado ou sofrido outros tipos de violência no ambiente escolar também registrou relação positiva com esse desfecho e, ainda que não tenha atingido significância estatística pelo nível adotado no estudo (p < 0,05), aproximou-se deste (p = 0,059).
Alguns aspectos metodológicos devem ser considerados. Destaca-se que este trabalho é inédito ao abordar, no Brasil, a violência física contra professores, especialmente por usar modelagem de equações estruturais. Essa análise propiciou uma melhor compreensão de como os fatores estão relacionados entre si e as influências diretas e indiretas que exercem sobre a violência física contra professores. Apesar de ser um estudo transversal, que não permite determinar a relação temporal entre duas variáveis, propusemos um diagrama causal considerando que fatores sociodemográficos e condições de trabalho antecedem a violência física no ambiente escolar, com base na literatura 5,6,7,8. As variáveis observadas apresentaram baixas cargas na construção das variáveis latentes, provavelmente em decorrência de pequenos números de relatos de violência física, ameaças e piores condições de trabalho, porém o modelo teórico registrou altos índices de qualidade de ajuste.
A forma de obtenção da informação sobre violência contra professores, baseada em autorrelato, está sujeita a distorções devido à memória do entrevistado, ao seu desejo de relatar a experiência de violência e até mesmo à sua percepção de violência. Apesar da possibilidade de viés de informação, acredita-se que a violência física seja um evento traumático e, possivelmente, inesquecível para quem a sofre. Além disso, pode ter ocorrido o viés do trabalhador saudável devido à perda de parte dos professores (15,8%), especialmente aqueles que se encontravam em licença médica. Essa perda pode ter subestimado os resultados desta pesquisa, tendo em vista que condições de trabalho ruins 23 e ter sido submetido a situações de violência 24 são importantes motivos de afastamento docente. Outra limitação refere-se à validade externa do estudo, isto é, a impossibilidade de extrapolação dos resultados encontrados para outras populações de professores e outros contextos, ainda que o perfil dos professores estudados seja semelhante ao de outras localidades do Brasil 25,26, e que se saiba que a violência escolar não é um problema localizado no município pesquisado 15,16,17. No entanto, ressaltam-se aspectos positivos, como a alta taxa de resposta e o fato de os professores participantes representarem aproximadamente 70% da população de docentes dos ensinos fundamental e médio na cidade.
Relatos de agressões físicas e com armas contra professores revelam a ocorrência deste tipo de violência na escola. A baixa frequência das variáveis que constituem a variável latente violência física, especialmente as agressões com armas brancas e de fogo, pode ter efeitos no modelo, como a falta de poder para apresentar efeitos com significância estatística. No entanto, mesmo em menores frequências do que a violência psicológica 5, trata-se de um evento extremamente grave que oferece sérios riscos à saúde física e mental e à própria vida das pessoas. Para Malta et al. 27, a sensação de insegurança e brigas com arma branca e de fogo são reflexos da violência presente no entorno escolar, expressada pelas desigualdades e iniquidades na distribuição de recursos e equipamentos sociais.
Nesse mesmo contexto, estão inseridos os relatos de outros tipos de violência na escola. Esse resultado é consistente com o observado em um estudo norte-americano, que identificou maior chance de sofrer violência física entre aqueles professores que haviam testemunhado mais episódios de outras violências, especialmente as de natureza física 9. Portanto, a associação entre ter testemunhado violência física ou recebido ameaças e o fato de ter sofrido violência física denota que a violência é um problema recorrente e que se apresenta de diversas formas e simultaneamente no ambiente escolar, fazendo com que o professor se sinta inseguro e constantemente vulnerável. A violência no ambiente de trabalho tem consequências importantes na saúde física 28,29 e psicológica 30, além de prejudicar os objetivos mais amplos da escola, como educar, ensinar e aprender 31.
As condições de trabalho apresentaram efeito direto sobre violência física. Professores com contratos do tipo não estatutário (temporário) são comumente sobrecarregados, têm elevada carga horária, atuam em maior número de escolas e têm menor poder de decisão, em comparação aos estatutários, na escolha das escolas em que lecionarão 32. Essas condições, indicativas de precarização do trabalho, também expõem os professores à violência física de maneira significativa. Dessa forma, escolas localizadas em áreas vulneráveis à violência são as que mais frequentemente são ofertadas como possibilidades de locais de trabalho.
A idade atuou de maneira indireta sobre a violência física, por estar correlacionada às condições de trabalho. Esse resultado é justificado pelo fato de que contratos temporários são mais comuns entre os mais jovens. Estudo mostra que, entre os anos de 2002 e 2013, a rede de ensino básico do Brasil sofreu uma importante alteração no perfil etário docente. Houve queda expressiva do contingente de professores com até 25 anos que ingressava no quadro permanente da carreira docente 33, ou seja, professores mais jovens provavelmente estão, proporcionalmente, atuando mais como docentes não efetivos e em condições menos adequadas. Não se pode descartar, no entanto, a possibilidade de professores mais velhos e experientes terem maior capacidade para lidar com conflitos 34, e assim reduzir o risco de eventos de violência física.
Sexo e raça/cor não apresentaram relação com a violência física neste estudo. No entanto, são aspectos da diversidade humana frequentemente relacionados a eventos violentos que geram sofrimento e influenciam negativamente a saúde 35,36 e a atividade profissional das vítimas 37. Outros fatores que podem expor os professores a maiores riscos de sofrer violência, como orientação sexual, religião ou crenças, não foram investigadas neste trabalho.
A violência é um complexo fenômeno resultante em grande parte das relações na sociedade, da comunicação e dos conflitos de poder, e tem seu bojo conceitual determinado pela tradição sociocultural e experiência de vida de cada indivíduo 1,38. Diante disso, este artigo não pretende esgotar o assunto, mas compreende que a violência escolar deve ser percebida sob a perspectiva de uma violência que ocorre também na sociedade e no entorno das escolas 39, fruto principalmente da exclusão social e intrinsicamente relacionada a outros aspectos aqui não abordados, como imposições culturais, desigualdades sociais, tráfico de drogas e falta de perspectivas, oportunidades e de trabalho (40,41. Além disso, a perpetração e vitimização pela violência envolvem situações de tensões, revolta, emoções e sentimentos que devem ser aprofundadas em outros tipos de estudo, de abordagem qualitativa, por exemplo.
Em resumo, este estudo identificou que condições de trabalho e outras formas de violência na escola são fatores que contribuem para a ocorrência de violência física contra o professor. Destaca-se, assim, a importância de melhora das condições de trabalho dos professores e de implantação de ações de prevenção à violência na escola e na sociedade. Na escola, são importantes os incentivos a medidas que fomentem relações democráticas, o respeito às diferenças e à convivência harmoniosa de seus membros 42. Ademais, essas medidas necessariamente precisam ser holísticas, interdisciplinares e permanentes 42. Políticas públicas para reduzir a violência no entorno escolar e na sociedade em geral podem ter reflexo direto na redução deste evento no espaço escolar 27,39.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) por bolsas de estudo de mestrado e doutorado, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por bolsas de produtividade em pesquisa.
Referências
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