Cadernos de Saúde Pública
ISSN 1678-4464
36 nº.Suplemento 3
Rio de Janeiro, 2020
COMUNICAÇÃO BREVE
Prevalência e características de brasileiros com 50 anos ou mais que receberam um diagnóstico médico de COVID-19: iniciativa ELSI-COVID-19
James Macinko, Brayan V. Seixas, Natalia Oliveira Woolley, Fabiola Bof de Andrade, Maria Fernanda Lima-Costa
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00190320
COVID-19; Serviços de Saúde para Idosos; Idoso; Saúde do Idoso
Introdução
A síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (SARS-CoV-2), responsável pela pandemia de COVID-19, espalhou-se rapidamente e já causou pelo menos 10 milhões de infecções e quase meio milhão de mortes em todo o mundo. Ao final de junho de 2020, o Brasil era o segundo país mais afetado do mundo, com mais de 1,4 milhão de infecções e quase 60 mil mortes (Coronavírus Brasil. Painel coronavírus. https://covid.saude.gov.br/, acessado em 21/Jun/2020).
Ainda que a epidemia tenha tomado diferentes formas em diferentes contextos nacionais 1, vários fatores estão associados às complicações e óbito por COVID-19. Eles incluem ter idade avançada, ser do sexo masculino, ter uma ou mais doenças crônicas (por exemplo, diabetes, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica) e ter um alto índice de massa corporal (IMC) 2. Alguns fatores sociodemográficos também foram associados a maior risco, como sendo de um grupo minoritário racial/étnico e tendo uma renda mais baixa 3,4.
O teste viral é necessário para detectar a infecção atual por SARS-CoV-2 5. No entanto, o teste é limitado no Brasil, onde o número médio de testes diários tem sido de 14 por 100 mil pessoas, em comparação com 58 pessoas nos Estados Unidos e 61 no Chile 6. Na ausência de testes generalizados, o diagnóstico por um médico pode apoiar o monitoramento e tratamento, a prevenção e a mitigação de infecções.
Este estudo explora os fatores associados ao relato do diagnóstico de COVID-19 por um médico em uma amostra nacionalmente representativa de adultos brasileiros com 50 anos ou mais.
Métodos
O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) tem como objetivo elucidar os aspectos sociais e biológicos do envelhecimento. As avaliações de linha de base ocorreram em 2015-2016 e incluíram um total de 9.412 pessoas, em 70 municípios, nas cinco grandes regiões geográficas brasileiras. Uma descrição detalhada dos objetivos e métodos do estudo pode ser encontrada em outra publicação 7.
A coleta de dados da segunda onda da ELSI-Brasil começou em agosto de 2019, mas foi suspensa em março de 2020 por conta da epidemia de COVID-19. Para avaliar o impacto da epidemia nos participantes do ELSI-Brasil, uma entrevista telefônica curta de 5 minutos de duração foi desenvolvida para ser administrada a todos os participantes da segunda onda. O inquérito telefônico abordou comportamentos de proteção pessoal, dificuldades sociais e econômicas, uso de serviços de saúde, sintomas e diagnósticos médicos de COVID-19.
Entrevistadores treinados conduziram as entrevistas por telefone entre 26 de maio e 8 de junho com uso de um sistema eletrônico de formatação para entrada e transmissão de dados. A taxa de resposta final para a entrevista telefônica foi de 67%. Entre as perdas, cerca de 5% se recusaram a participar, cerca de um terço não respondeu a nenhuma das cinco ligações subsequentes e cerca de 58% tinham um número de telefone ausente ou incorreto. O procedimento de ponderação da pesquisa foi ajustado para essas perdas. Os resultados aqui apresentados são, portanto, nacionalmente representativos da população brasileira de 50 anos ou mais. Ver Lima-Costa et al. 8 para uma descrição mais detalhada do protocolo de pesquisa por telefone.
Medidas
O principal desfecho é se os participantes relataram ter sido informados por um médico que ele/ela tinha COVID-19. As variáveis ??explicativas incluem dados demográficos (sexo, idade, relacionamento, raça/cor da pele), estado socioeconômico (renda familiar dividida em quintis e nível de escolaridade), geografia (macrorregião e residência rural), presença de doenças crônicas (previamente diagnosticado com asma, artrite, câncer, depressão, diabetes, doença cardíaca, hipertensão, doença renal, Parkinson ou Alzheimer), autoavaliação da saúde, índice de massa corporal (a partir de medidas de altura e peso do participante e categorizado em peso normal, sobrepeso e obeso), tabagismo e o recebimento de uma vacina contra a gripe nos últimos 12 meses como um indicador de propensão a buscar cuidados preventivos.
Análise estatística
Apresentamos estatísticas descritivas como proporções ponderadas e, devido ao delineamento da amostra complexa, a significância estatística é obtida por meio de um teste de Wald ajustado 9. Regressão logística foi usada para avaliar a associação de múltiplos fatores com o recebimento de um diagnóstico COVID-19. Os modelos de regressão logística foram construídos passo a passo, retendo apenas as variáveis ??que eram estatisticamente significativas e/ou proveram melhor ajuste do modelo, conforme medido pelas estatísticas critério de informação de Akaike (AIC) e o critério Bayesiano de Schwarz (BIC). Todas as análises controlam a amostra complexa da pesquisa e incluem pesos da amostra final.
O estudo ELSI-Brasil e a iniciativa ELSI-COVID-19 foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz, Minas Gerais (CAAE: 34649814.3.0000.5091 e 33492820.3.0000.5091, respectivamente).
Resultados
No total, 2,4% (intervalo de 95% de confiança - IC95%: 0,05-10,05) da amostra (70 indivíduos) relataram ter sido informados por um médico que tinha COVID-19. Desses, apenas a metade dos casos (37 indivíduos) afirmou que o diagnóstico foi confirmado por um teste viral (dados não apresentados). Conforme mostrado na
Tabela 1 Características dos brasileiros com 50 anos ou mais que receberam um diagnóstico médico de COVID-19. Iniciativa ELSI-COVID-19.
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Tabela 2 Regressão logística das características de brasileiros com 50 anos ou mais de diagnóstico médico de COVID-19 (n = 70). Iniciativa ELSI-COVID-19.
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Discussão
Este é o primeiro estudo realizado com uma amostra representativa de brasileiros com 50 anos ou mais a descrever características importantes daqueles que foram diagnosticados com COVID-19. Quase 2,4% da amostra ponderada relataram ter sido informados de que possuíam COVID-19 por um médico. Isso se compara à taxa de infecção atual estimada de cerca de 0,6% em toda a população, com base nos números atuais (https://covid.saude.gov.br/, acessado em 21/Jun/2020). Embora os participantes estejam em alguns dos grupos mais vulneráveis, a confirmação diagnóstica do teste viral foi limitada a somente 50% dos indivíduos que relataram receber o diagnóstico de um médico.
Com base em nosso modelo final de regressão, vários fatores foram associados ao recebimento de um diagnóstico positivo de COVID-19 e merecem discussão adicional. Primeiro, as diferenças regionais são consistentes com o padrão da epidemia observado durante o período do estudo: a Região Norte apresentava taxas COVID-19 (cerca de 97/10 mil) mais do que três vezes superior à média nacional (27/10 mil) 10. Em segundo lugar, a capacidade de aderir a comportamentos preventivos pode ser um fator importante para alguns desses resultados. Por exemplo, as pessoas em grupos de baixa renda são mais propensas a viver em moradias superlotadas, a ter que trabalhar durante um lockdown e não ter acesso à água potável ou saneamento básico. Porém, a maior probabilidade de diagnóstico de COVID-19 foi encontrada entre aqueles no segundo grupo de renda mais baixa (em comparação com o grupo de menor renda). Tal resultado pode ser em razão do tamanho pequeno da amostra e da disseminação não uniforme do vírus. Contudo, se verificado em ondas futuras do estudo, pode indicar diferenças relacionadas à renda no conhecimento dos sinais e sintomas da COVID-19 ou no acesso aos serviços de saúde.
Terceiro, maiores taxas de diagnóstico de COVID-19 são esperadas entre aqueles que sofrem de obesidade ou multimorbidade devido ao conhecimento atual sobre os fatores de risco para as formas mais graves da doença e ao fato de que esses indivíduos podem ter maior probabilidade de visitar um médico rotineiramente para tratamento contínuo.
Finalmente, os participantes de meia-idade neste estudo eram mais propensos do que os entrevistados mais velhos a relatar um diagnóstico. Por mais que idade avançada seja um fator de risco para complicações e morte da COVID-19 11, não é necessariamente um indicador de risco de infecção, que é impulsionado pelo contato com pessoas portadoras do vírus. Essa explicação também é consistente com a observação de que os participantes do estudo mais velhos (com 60 anos ou mais) eram consideravelmente menos propensos ao relato de deixar suas casas nos últimos 7 dias do que aqueles com idade entre 50-59 anos, no período de maio/junho de 2020 (dados não mostrados).
O estudo apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, o tamanho da amostra é pequeno e não se pode descartar que alguns OR estejam excessivamente inflados. Infelizmente, abordagens estatísticas alternativas, como a estimativa de máxima verossimilhança penalizada, não podem incorporar o desenho de amostra complexo. Em segundo lugar, o viés de memória é sempre possível, embora seja indiscutivelmente uma pequena ameaça à validade interna, dada a atenção atual à pandemia de coronavírus. Terceiro, não é possível controlar possíveis vieses no rastreamento e diagnóstico médico e, por causa da novidade do assunto, não há literatura conhecida sobre a precisão dos diagnósticos médicos de COVID-19 até o momento. Por fim, é possível que parte das não respostas da pesquisa por telefone se deva a indivíduos que estavam muito doentes para atender ao telefone, caso em que os resultados aqui apresentados podem estar subestimados.
Apesar dessas limitações, este estudo revela características importantes de idosos com diagnóstico positivo para COVID-19. No contexto de um cenário de epidemia em evolução contínua no Brasil, a iniciativa ELSI-COVID-19 fornece uma ferramenta importante para identificar características individuais e contextuais daqueles que podem ser mais afetados pela COVID-19. O conhecimento dessas características pode ajudar a concentrar os esforços de teste viral, embasar as campanhas de informação ao público e alertar os serviços de saúde sobre as características da população mais afetada pela pandemia. Mais estudos ainda são necessários para determinar se as associações encontradas aqui persistem ao longo do tempo e quais mecanismos estão por trás delas.
Agradecimentos
O inquérito de base e a segunda onda do ELSI-Brasil foram financiados pelo Ministério da Saúde: Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos - DECIT/SCTI) (processos nº 404965/2012-1 e 28/2017) e Coordenação da Saúde da Pessoa Idosa da Secretaria de Atenção à Saúde - COSAPI/DAPES/SAS (TED: 20836, 22566, 23700 e 77/2019). A iniciativa ELSI COVID-19 é financiada pelo DECIT/SCTI e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: processo 403473/2020-9). M. F. Lima-Costa é bolsista IA de produtividade em pesquisa do CNPq.
Referências
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